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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Um naco de saudade

João-Afonso Machado, 21.12.19

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Onde andam as perdizes e as lebres? Os simplórios coelhos? Já não sei, não lembro, as minhas cardadas botas emboloram a um canto qualquer. E o Alentejo transformou-se num convidativo, encantador, lugar de turismo. Parece, não mais de caça.

Neste capítulo ressalta o drama: a esparsa sensação de cada um para o seu lado; de todos os subconjuntos de um feudalismo sem rei nem roque. O retorno à centralização da tribo será já, decerto, impossível.

Há idades de especial sensibilidade. São aquelas de um presente carregado de lacunas, onde o passado se enche de lagos a transbordar de memórias, e o futuro nos confronta com um pouco fiável par de pernas. Mais a mais, os óculos passaram a ser como a dentadura postiça, parte integrante de todas as horas do dia.

É isso, são os quadros que pintámos de suor, os tiros falhados, os palavrões vociferados. Manhãs em que tanto ri ouvindo berros à minha volta a chamar cães ávidos de correr, desobedientes como crianças de agora. Olhares pesarosos ante perdizes que voavam, em vez de terem morrido. Regressos estafados a sonhar almoços que pareciam inalcançáveis. Toneladas de sol ou de chuva. Ano após ano, umas décadas deles.

Pífia época esta, de nem um tiro só. O velho amigo canino entretido com as galinhas... Será a próxima a compensação que a ora defunta reclama?

(Tal o medo da idade da caça de salto já ter entrado em agonia.)