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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

"SOS!"

João-Afonso Machado, 17.12.20

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Quaisquer dois dizeres

muito vagos, de entusiasmo nenhum

sim, sim, os afazeres…

não sobra pra afagos

nem um minuto, nem só um…

 

Mas quaisquer dois dizeres

enquanto a noite vai pasmando

e o sono sem comando

saiu de casa, fugiu ao açoite

do castigo…

 

Pois quaisquer dois dizeres

trocados comigo

vão-se um pouco mais do mundo

escorados, louco instante

 

por fim liberto de ir ao fundo.

 

 

"Sétimo dia"

João-Afonso Machado, 12.12.20

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Está por pouco a multidão,

por quase nada louco bocado

de sofreguidão.

 

A gravata preta e o nó dado

mais o derradeiro adeus à paz

vos digo em verdade é somente

olhar-me,

- tal crueldade não se faz!

 

Pois venha então a tempestade,

chegai gente  de festa tesa

de novo a afogar-me

em vossa ridente tristeza.

 

Depois ide e não volteis.

Sete dias correm sobre a nova vida,

 

foi dura a partida:

dispenso sentenças ou leis,

 

tantas palavras de circunstância…

rápido, rápido, que já me abraçaram

e após vós - grassa ainda abundância.

 

 

"Futilmente"

João-Afonso Machado, 23.11.20

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Sem expressão lançou ao fogo

as rimas que lhe havia escrito

a mão de sempre

sempre a rogo coração.

 

Logo o proscrito de tudo sabendo

partiu,

ninguém mais o viu, salvo o rapazito

- onde vais? – E ele num rumor,

- Há fúteis tais?,

se nem me capacito o amor

seja esta dor ardendo

 

e reacendendo por quem me queimou

como inúteis jornais.

 

 

"Sereia"

João-Afonso Machado, 06.11.20

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Segredavam no cais temerosos,

partiu sem vento, o arrais

voz de encorajamento,

consigo o leme, o querer,

poderosos.

 

E dizem partiu a nave, vão sós

eles mareantes no nevoeiro

(que os ouviram gemer…)

- um leixão, as correntes, a ondulação,

quem os levará primeiro?

 

Nessa já lonjura

em cuja proa, corpo macio

de madeira escura, a deusa enfrentava a sorte

e o seu busto a dominava,

figura de susto nem um arremedo

num olhar quedo a vida inteira,

 

barca indo cedo, indo prazenteira, cheia de porte,

indo sem velas, sereia a navegava

para a morte.

 

 

"Praceta do medo, s/nº"

João-Afonso Machado, 12.10.20

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Porque em ti, praceta, os olhos circundam

tão em medo bancos quietos onde os idosos

(porquê?!)

se afastam temerosos?

 

Serão janelas ou fantasmas, praceta?,

em teu redor há segredo nelas,

nessas covas em que pasmas na sala

a tarde inteira, praceta, jurando sovas

e um terror de bengala.

 

Porque não colhes, praceta, uma flor?

E te deixas adormecer…

Dorme, dorme, praceta,

esquece a ampulheta,

 

os passantes querem viver.

 

 

"Valsa a bordo"

João-Afonso Machado, 08.10.20

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Viagem futura cuidando marés,

dia imenso de altura e cidade, vais flutuando

no cais por onde és

em sonhos sem idade ou abrigo,

somente trepando comigo

elevadores arfando de amores…

 

E vamos e vamos de gala vamos,

por fim o baile querida,

por fim esta valsa nossa vida,

 

poisa por fim o xaile,

a tua mão em meu ombro caída

e a outra entre a minha

de braços girando em vaga marinha,

 

dançando, dançando, dançando,

sempre sempre volteando

até um dia, essa melodia,

esse dia - até quando?

 

 

"Parabéns!"

João-Afonso Machado, 25.09.20

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Mais um ano minha linda

um mais, que a vida não finda

 

em corujas sentinelas

nas pedras frias sepulcrais.

 

Ri e canta, apaga as velas,

dá-me um beijo

e outra fatia do teu bolo,

 

dá-me o sabor, dá-me o desejo do teu amor

e um lugar onde saiba pô-lo e guardar.

Dá-me até o nome

por que o hei sempre chamar.

 

"Pontos cardeais"

João-Afonso Machado, 17.09.20

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A sul o dia dorme à espera de amanhã

enquanto a poente a tarde vai quente

e festiva como se o hemisfério oposto.

 

A sul soam muitas horas de calma vã.

A poente é o mistério

do tempo sem tempo

entre as amoras de Agosto

e um adeus de desgosto,

 

eterna espera do Amanhã.

 

 

"Portrait"

João-Afonso Machado, 06.09.20

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Meu retrato do tempo deitado fora,

ferro cravado

em sangue já descolorido.

 

(Meigas feições, branco vestido

de jardins de outrora –

tudo foi embora.)

 

Mas o retrato guardo-o comigo,

em  dores de saudade mora

na realidade de tanto perdido

 

onde o sorriso é o abrigo,

lágrimas de quem não chora.

 

 

"Sem voz"

João-Afonso Machado, 29.07.20

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Escadinhas a fugir,

não a escadinha fadista

em beco colorido, a sorrir.

 

Escadinhas sem voz

além do eco – o eco dos portões

batendo sós

em passos apressados a partir,

como de ladrões, passos voados

 

nas escadinhas a fugir.