Romagem a um túmulo
Assim é a Eternidade dos mortos. Entre vidraças escaqueiradas e árvores seculares e o sobressalto do ruído a acordá-los. À passagem das Caldas de Moledo nunca conheci outra, e sempre fui ouvindo o choro dos de antigamente. Quando as suas termas estrelavam no céu dos possidentes e o Douro os entretinha no vagar dos rabelos. Por então, ali à porta da Região vinhateira, D. Antónia Ferreira e o seu Marido davam o que podiam, queriam gente lá, investiam por bondade, algo que ficou nos mortos mas não na eternidade...
A estrada estreita. Os camiões TIR não sendo de cerimónias. O casario é quase só um amontoado de ruínas. Tábuas toscas e pregadas à pressa seguram antigas madeiras bem trabalhadas das portadas do hotel. Nas janelas, cada vidro ainda incólume é uma alma por enquanto em paz. Se alguém quiser saber dos enxofres do inferno que avance dentro essas paredes e esses três pisos, dos quatro do Apocalipse...
... a par da transparência do calor, no silêncio da cegueira, avistando o casal que atravessa a passadeira - o semáforo avermelhara para os automóveis - em pausada troca de palavras só audível para quem... for além da eternidade dos mortos e alcançar a da História.
O seu vestido negro roça e confunde-se no alcatroado da estrada. São desses mistérios o seu chapéu de plumas e a sombrinha. O cavalheiro, a quem dava o braço, de patilhas generosas com o melhor couro cabeludo, segue enchapelado e hirto. Espreita um relógio já sem ponteiros que foi buscar ao bolso do colete. Ei-los. Eis aí a Ferreirinha! Ao alcance apenas de quem não corra.
Seguimo-los com o olhar. Afundam-se nos anos de ouro dos velhos e imensos plátanos. Esverdece o semáforo e o TIR troa uma buzinão. D. Antónia, ainda a vejo amparada pelo Marido, parece desfalecer... E a brisa assobia um nico, entre as ramagens que cobrem este túmulo das Caldas de Moledo.