Por onde o almocreve andarilhou
O almocreve deu graças à Primavera. No seu diante os contrastes da urze e das giestas, ali pelo cimo do mundo, durante o parco tempo em que acreditou este fossem as cores e, sobre elas, o seu flanar. Depois caiu na dura realidade do horizonte visual. A beleza à vista consistia na dureza das pedras nada estáveis, o calçado a dar de si, atamancado, o gado a renegar o percurso.
Um dia inteiro a arfar - porque a arfar trepava e escorregava, as mulas um tormento, - o almocreve atingiu um baixo, adivinhou a derrota da subida que se avizinhava e parou. Estava lá a ponte de que já o avô do seu avô falava. E as águas suaves, sussurrantes, deslizando entre os seus arcos, a abrirem uma nudez feita de trutas, dezenas delas a remarem contra a corrente.
Abriu os alforges das mulas o almocreve. Buscou, buscou, jamais contou se encontrou. Jamais revelou o segredo onde agora os automóveis transitam - afinal, aqueles fundos, o remanso das águas além, davam-nos - pescadores antigos - a bem-aventurança das trutas ou apenas o sonho, um eterno pôr-do-sol amochilado de fé?
O almocreve, tantos séculos antes dos motores, topou o carreiro e rejubilou. Chovera muito, o piso esburacara em regos tortuosos mas, premonitoriamente, uma palavra saltou fora da sua boca - "auto-estrada".