Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

"O nosso enclave em Esposende"

João-Afonso Machado, 18.10.18

GEMESES - SRA. PELITEIRO.jpg

Muitos dos que andaram na Guerra Colonial – como não foi o meu caso – lembrar-se-ão daquele território vagamente separado do colosso angolano, a norte, chamado Cabinda. Rodeavam-no os Congos e o Atlântico. Era um enclave. Igualzinho ao que está na soberania de V. N. de Famalicão no concelho de Esposende, em Gemeses.

Gemeses situa-se na margem direita do Cávado, rodeada das ferozes tribos de Palmeira de Faro, Perelhal, Vila Cova e Gandra. Mas resistindo sempre, aquele baluarte famalicense de que é capital a Quinta da Barca, debruçada sobre um troço alargado, quase lagunar, do rio, ali tão pacífico como o Céu de Jesus. Nas imediações, um pequeno ajuntamento de casas (umas de comprovada antiguidade, infelizmente em ruínas), vivendo, presume-se, de algum turismo e dos sonhos todos de quem faz justiça ao silêncio. Dá sempre gosto passear por aquelas bandas, assim como quem tira férias do seu próximo e dá a mão ao Cávado e à ausência de vivalma. No nosso enclave famalicense, na salvação do nosso espírito e da nossa carne, até que a barriga dê horas – até havermos de comparecer ante a rainha da Quinta do Lago, a Sra. Peliteiro, de pronto a acolher-nos no seu palácio ou, se quiserem, no seu restaurante.

A Sra. Peliteiro nasceu Paula e criou-se em Cruz, a minha freguesia. Trabalhou na Câmara Municipal até rumar o Brasil, onde abriu o seu primeiro estabelecimento de comes e bebes.

Tudo palavras dela. Proferidas com simpatia e simplicidade, quando veio à mesa onde almoçava um grupo de prestigiados famalicenses de passagem pelo enclave.

O dito grupo papara um belo caldo de legumes, um arroz de peixe, a sua sobremesa (fruta ou chocolate). A regar, um branco duriense, «biológico». Confesso, não sei explicar esta “biologia”, mas unanimemente o vinho foi considerado muito agradável. Enquanto tal, prosseguia a saga da Sra. Peliteiro:

Depois do sucesso no Brasil, foi o tempo de regressar à Pátria e inaugurar um novo espaço de restauração, em Fão, na outra margem do rio. E a velocidade a que o negócio andou foi o salto para a banda norte, a conquista daquela Gemeses meio pasmada que tentava, mas não conseguia, vingar um campo de golfe. A Sra. Peliteiro tomou essa praça, fê-la o seu castelo, o tal seu palácio, a embaixada famalicense naquelas paragens. E baptizou-a com o seu próprio nome – Sra. Peliteiro.

O restaurante não esqueceu a lição brasileira, sendo, por isso, muito hábil em moquecas e coco nos doces. Mas a cozinha tradicional portuguesa está ali bem vincada e estudada. Saboreada com os olhos poisados no Cávado, através dos janelões da grande sala, em almoços que se prolongam e escutam também novas experiências gastronómicas. Porque a Sra. Peliteiro é, em tal ciência, uma investigadora. E uma docente. Reproduz o seu saber em três programas televisivos, conseguindo ainda espaço para ministrar formação profissional. Finalmente, à noitinha, parte para Braga (mais uma urbe qualquer dia nossa…), e dá despacho no seu – das cinzas renascido - Ignácio, outra proeza, outra aposta ganha.

A gente escuta esta agenda e toma-lhe as dores. Cansamo-nos nós, no lugar da imparável Sra. Peliteiro. (Venha daí mais qualquer coisinha para restabelecer as forças…) Mas fica o gosto e o orgulho por todo o afã desta nossa conterrânea, hoje uma personagem nacionalmente conhecida. Que as suas forças se mantenham por muitos e muitos anos. E a nossa admiração por ela, outros tantos, também. O enclave famalicense da Sra. Peliteiro, consta, voltará em breve a ser visitado por aquela distinta congregação da nossa terra que, pelo sim, pelo não, não prescindiu da fotografia da praxe com a dona da casa.

 

(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 18.OUT.2018)