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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

"O Natal na rua"

João-Afonso Machado, 29.12.16

LICOR DE FUNCHO.JPG

A semana prossegue. Vem de longos anos e atravessa a “Vila” como antigamente a estrada nacional: com muito movimento, tanta animação.

Nesse tempo a estrada nacional quase cortava Famalicão em duas fatias que não eram de bolo-rei. O trânsito ia progredindo para o caos, os sinaleiros da R. Santo António endoidavam. Do que se tratava? Apenas do fluxo automóvel entre o Porto e Braga… Havia camiões monumentais subindo ou descendo a Adriano Pinto Basto. E sobrava então o espaço aéreo para umas armações de madeira colorida e iluminada, lá no alto, onde esses camiões mais carregados não chegassem e não estilhaçassem. Em volta da Fundação Cupertino, os transeuntes cruzavam-se uns com os outros, de um modo geral apressadamente – se calhar com a conversa tolhida pelo ruído dos motores! – enquanto à porta da Moderna, do Vieira de Castro, da Mouzinho, do Bezerra, se formavam longas filas para a doçaria natalícia.

Tantos anos volvidos, quão diferente o cenário! Sem pesados e a conter os ligeiros… Artérias quase pedonais, os prédios livres das cangas enfeitadas de lâmpadas, e os passeios onde há cameleiras ou laranjeiras com a novidade dos leds a serpentearem pelos troncos acima. Fazendo um conjunto mais acolhedor e mais próximo, menos frio.

(Muito se podia escrever sobre o frio do Natal, creio eu não mais do que um condimento do bacalhau da consoada, um aroma das suas rabanadas. Como imaginar – pelo menos entre nós, minhotos, - um Natal de mangas arregaçadas, a t-shirt em vez do cachecol?)

Menos frio, dizia, porque vivido em mais harmonia das gentes. Nas ruas, onde ainda se combate a impessoalidade da massificação do comércio, e todos os passos ganham outro sentido. (E os espaços também.) Onde triunfa a espontaneidade e quaisquer acenos ou sorrisos são inteiramente desprovidos do que não seja Natal. Esta, uma lição só para os mais desatentos a passar em claro.

Por isso me banqueteei os últimos dias entre o Mercado e o Jardim D. Maria II. Assisti à partida do comboio da criançada, ao vaivém das atrelagens do Sr. Ferreira, sempre carregadinhas delas. Depois fui ao artesanato, presenteei a posteridade com umas fotografias e aceitei a oferta e provei um magnífico licor de funcho que me organizou a digestão em menos de nada – até repeti a dose, já a prevenir a do jantar… Havia ainda a novidade da patinagem no gelo, um carrocel e, insisto, muita e muita gente que não se deixou ficar em casa. E os meus perdigueiros! Também aos meus perdigueiros chegou na rua a simpatia e o sorriso de quem passava.

Salutarmente, não já nos idos de uma vida tão pacata quanto assoberbada por longos carreiros de trânsito que lhe formigavam e maceravam a espinha dorsal, - sapientemente Famalicão vem reforçando o seu centro de vida, a praça, o lugar público de todos os famalicenses; desejavelmente - mantendo o ano inteiro o tal “espírito natalício”…

 

(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 29.DEZ.2016)