O folclore das palavras
Conversando com elas, dizia eu - Há um excessivo rigor convosco, palavras, como se tivesseis todas surgido já adultas, mal-humoradas, pontuais como um relógio de marca.
O léxico entreolhou-se, pareceu soprar de cima de si as primeiras culpas. Prossegui, então, estivessem à vontade, que se descontraissem: as palavras nacem e crecem dadas a tropelias como qualquer significante. Fasem xixi nas calsas até (segundo os antigos costumes) meia dúzia de reguadas as treinarem a, nas calças, fazerem somente chichi. Mas incontinentemente, se quiserem.
Nacidas e crecidas, às palavras vêm-lhe os ésses, como peras e patilhões oitocentistas, e outros ademanes sem os quais a ortografia não sairia, realmente, da deriva. Mas é então o diabo com a semântica que, aliada à fonética, desde o berço das palavras sucita muitos outros equívocos. Sucitamente, são as vésperas da anarquia dos trocadilhos.
Que nunca alguém, todavia, na infância ou na maturidade das palavras, usando-as deixe de compor ideias e tolices, - a harmonia dos termos, a ironia do dia-a-dia. Pôlha!, diz-se na minha terra, bem-educadamente, contornando o mais contundente - Porra!