No tempo e no lugar das cerejas
Gosto de cerejas. Não há fruta melhor: não precisa ser descascada, come-se um uma vez só e é doce, nunca menos do que doce. Tem um caroço, sempre o melhor treino para acertar no alvo. No parceiro em frente, enfim... Até as dizem, às vezes, no topo de um bolo, como uma rainha. As cerejas não pesam cá dentro e colhem-se das cerejeiras tão bem quanto as azeitonas das oliveiras. Aquelas competindo com os melros, estas com os tordos. Somos nós e o mundo, num caso e noutro. Seja como for, a compará-las inevitavelmente com as laranjas, de casca que fica nas unhas, e um dejecto perigoso, que atingindo os olhos pode cegar.
Em Resende, o regime político é usualmente de liberdade. Basta parar no berma da estrada e atacar com o saco de plástico. A cereja é tanta que dá para os libertários - esses , os "caçadores" do regime livre - e para os alinhados também. Por muito pouco se trazem, aos quilos delas, - os mais moderados - no mercado, madurinhas, bem escolhidas. Depois, é o grande mote da festa local.
Cada freguesia do concelho apresenta o seu carro alegórico glosando-o, ilustradamente, com o auxílio do gado. Manda a gratidão assistamos. Não é um espectáculo avassalador. É a festa daquela gente simples e distante. Só não percebi os varapaus dos condutores: as vacas são mais mansas do que gatos. Entendem a nossa fala. Se o se tratar de folcore, tudo bem. De outro modo, um segredo nos ouvidos delas - vacas - seria o bastante para parar o andor, quando fosse preciso. Eu desejo ao gado de Resende as melhores cerejas da colheita. Assim ele voasse ao cume das cerejeiras como os melros...