No fio da navalha
Ouvi a algazarra e fui ver. Mais uma rafeirada. Curta, peluda, serviçal, parecidamente mansa. Sempre ignorando a agilidade do gato, gasto de inveja. Latindo, latindo, latindo para o fim do mundo, era o facto. Excitado, aperreado, - a imitar o autoritário - essa era a atitude.
Tudo é o bicho energúmeno, persecutor. A teoria canídea reza o revez. (Oh! meus perdigueiros!) Vivi-a e vivo-a. Sou testemunha de todos os dias. O Inferno, contra os reaccionários, é diferente. Não tem bichos porque, se tivesse, os pobrezinhos em largas costas arcariam os pecados da gente, que são ignóbeis.
Mas tornemos ao gato. O desgraçado em cima dos ferros da ramada, como quem aguarda as próximas eleições, não arfava. Simplesmente esverdeava o olho. De olho posto no agora.
Não ofegava. Somente esperava . Esperaria a tarde toda se necessário. O rafeiro persistia. O gato acomodava-se. Adormeceu em cima do arame. O depois é uma incógnita. Hoje são muitos dias. O eterno é a sobranceria do seu olhar. A Humanidade nada percebeu. A lição é nula.
Porque - em resumo - um ferro é uma cama; uma espera, um colchão; amanhã, o regresso à vida (o estupor do cão - claramente não um perdigueiro - há de cansar a sua bestialidade); descer a ramada, um passo de amanhã apenas.
Os dias são isto, os irracionais ensinando aos racionais. Estes até aprenderão tudo - tudo menos dominar o pânico: aquele estar as horas múltiplas no frio da ramada.