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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Do pingue-pingue à bica aberta

João-Afonso Machado, 16.01.17

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Há dias assim. Dias escritos a tinta negra, nunca sei bem se de tristeza se por saudade daqueles bancos duros da escola, a carteira com um buraco para o tinteiro e a professora armada de régua a premiar os erros no ditado. Dias que lentamente convergiam, anos depois, para Agosto e um mundo novo, longe de casa, sem horas para chegar a casa, povoados de barcos e redes trazidas à praia pelos bois, a chapinhar de carapaus e sardinhas.

E repletos de amendoins na esplanada do café, de uns finos já maduros, uns cigarritos pelo meio, à noite a música do clube - Doors, Otis Redding, Leonard Cohen, Pink Floyd... - o despontar dos namoricos e, àquela velocidade, o macabro aproximar do fim de Agosto. De um novo ciclo principiando até ao Agosto seguinte.

Como superávamos essa espera entre Agosto e Agosto? Com a telefonia a pilhas, à luz dos candeeiros a petróleo. E com muitas cartas, duas e três e quatro cartas semanais, escritas e recebidas, avidamente lidas, descontando sempre os meses já vencidos, traçados na agenda com pausinhos de presidiário na parede da cela, soprando prá frente os meses em falta e sonhando com algum momento mágico do Quando o telefone toca. Como daquela vez única em que alguém pediu o Riders on the Storm (tempestade, prenúncio de morte? Até assustava ouvir...) dos Doors, lágrimas quase, a carta eufórica, emocionada, do dia seguinte, quase uma pauta, pelo menos um poema em inglês macarrónico; as idas correntes à discoteca da vila, a ver se surgira algo mais do que os singles do costume, musica foleira, fados, folclore e assim.

O Tempo demorava-se o que agora gostaríamos demorasse. Janeiro era menos de metade do percurso ainda. Hoje é já um pé nas festividades pascais... E a tinta negra desta escrita bem pode ser o rasto fininho das gravatas lutuosas das Sextas-feiras Santas de antigamente.