De um momento de liberdade
À sombra do tronco musculado sem camisa ouvi o segredo, o conselho - pega na caneta, escreve tudo menos as palavras. - Atenta o mundo - rumorejou o corpo enorme, braços feitos de muitos anos. - Escreve, escreve, escreve... - O quê? - O que não te vai nos ouvidos, tão simples quanto isso. Tens papel, tens a tua eleita caneta, que mais queres?
Levado no fim dos ponteiros do relógio, assentei, escrevi. Talvez haja vociferado. Contra o ruído, a merda que é hoje a caneta, a escravidão, em suma. Pensei as tecnologias, o vício de publicar, a porrada que o meu mundo sofreu.
Descarnei em busca de expressões geniais, contundentes.
Depois deixei a caneta solfejar as aves. O murmúrio das ramagens. Braços afeitos ao sol e aos ventos, sempre presentes, seja calor ou o tormento do frio serrano, acobertaram-me. A rocha musguenta cantou á-bê-cês. De olhar no além procurei apenas o dom da escrita, um modo ortografado da alma.
Aquela força hercúlea da Natureza não queria mal à Gramática. Ensinou-ma, até. Mas recomendou recato, recados contra os incautos da cacafonia. No fim riu-se, gozou, compreendeu - do cimo do penedo, eu apenas deixara as ideias fluirem.