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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

"De Cabo Verde para Famalicão"

João-Afonso Machado, 04.10.18

ARMAS DE PINDELA NA IGREJA DE S. FRANCISCO.jpg

Ocorreu há pouco a mais justa homenagem que Famalicão poderia fazer a José de Azevedo e Menezes, Senhor da Casa do Vinhal, onde, justamente, a cerimónia se realizou. E nela foi apresentado o livro da sua correspondência (o vol. I – 1878-1733) intitulado Camilo Homenageado, com a introdução, leitura e notas a cargo da Senhora Eng. Emília Nóvoa Faria. Uma obra a consultar com o maior interesse.

O presente escrito, fugindo ao habitual, pretende agora dar umas achegas que só podem valorizar a história famalicense. Isto a propósito do grande exilado de Ceide.

Numa sua carta de 9 de Setembro de 1887, inquiria ele José de Menezes sobre a ascendência do Bispo de Cabo Verde, D. Manuel Afonso da Guerra, cujo património o herdara a Casa de Pindela. E, em apontamento de rodapé, cita-se Fortunato de Almeida (História da Igreja em Portugal), o qual alvitrava o prelado, nomeado bispo em 1614, apenas sete anos após embarcara para a sua diocese. Por razões diversas, uma delas a sua pouca vontade em rumar tão distantes paragens.

É o ponto em que eu talvez possa esclarecer algo mais.

Escrevia Camilo – e José de Menezes não o contrariava – D. Manuel Afonso da Guerra era descendente de D. Pedro da Guerra, bastardo do infante D. João e neto de Inês de Castro. Eis o que não está averiguado e se constitui o primeiro argumento de interesse na questão.

Isto porque – segundo actuais e incontestáveis pesquisas genealógicas – Manuel Afonso da Guerra provinha de gente humilde de Basto, «honrados lavradores», vindo um deles para Guimarães, onde casou com uma mulher a quem chamavam «a Fiadeira». Foram os pais do futuro bispo. Se nas suas veias corria sangue real, o mesmo pingaria de fontes muito distantes, já para os seus esquecidas.

Aconteceu, porém, Manuel Afonso estudar, ser ordenado sacerdote e, por motivos igualmente não apurados, cair no goto de Filipe II de Portugal (1578-1622). A sua ascensão na Corte foi fulgurante. Não tardou era nobilitatado, ele e os seus. Ora, sem dúvida esta sucessão de factos incutem a ideia de que o já Bispo de Cabo Verde nunca pretextearia para adiar a partida para o arquipélago: estava tudo ainda muito tenro, e o rei podia até dar o dito por não dito…

Mas há ainda uma segunda e mais consistente e cativante razão para se aquilatar do desempenho de D. Manuel Afonso da Guerra entre os militares, colonos e mosquitos dessa África insular. Um documento subscrito pelo sargento-mor da ilha de Santiago, Garcia de Contreiras, e por onze capitães de infanteria e milícias, em 5 de Julho de 1623, atesta o seu valoroso desempenho aquando das aproximações dos muitos inimigos de Espanha por quem nessa época padecíamos.

Assim ficamos a saber que o prelado serviu «de governador, capitão geral e procurador da Fazenda de Sua Majestade»; e «sempre procedeu com muita prudência e satisfação geral, governando com muita brandura e paz e quietação, de modo que mais se tem por pai benigno de todos»… E nesses ataques traiçoeiros, por exemplo, «em um rebate que houve (…) de 16 naus de inimigos e outro de 50 naus, indo para este porto com propósito de o tomarem, (…) o dito Bispo se houve na preparação das coisas, fortificação da fortaleza e baluartes e em fazer uma grande trincheira de mais de duzentas braças neste ponto, como soldado de muito valor e esforço andando todo o dia e noite a cavalo rondando as estâncias a e acudindo a lugares necessitados». Por isso, «com o seu exemplo e prudência tinha os soldados tão arrumados que não se temia o grandíssimo perigo», no mesmo passo em que tinha «sempre a mesa franca para os capitães e mais soldados, nobres e moradores», obrigando-o, obviamente, «a grande despesa da sua fazenda». Num outra incursão, havendo já os corsários desembarcado na Boavista, foi ele à cabeça dos oficiais e soldados, pondo-os em fuga e capturando «duas peças de bronze de muito porte» e «o marfim que achou na mesma nau».

Enfim, também no domínio do sacerdócio se saiu com louvor – reza o dito documento – pregando, «apoiando os necessitados», de tal modo que «só com a sua existência neste lugar se sente menos as calamidades que padecem nesta ilha por falta de comer e do pagamento do ordinário»…

Regressando à Metrópole, o Bispo testaria em Lisboa a favor da sua sobrinha D. Catarina da Guerra, sua universal herdeira. E porque ela se consorciasse com João de Arosa Machado, de quem nasceu António Machado da Guerra, sucessor, casado com uma senhora de Pindela, eis esta Casa na titularidade de todos os vínculos e propriedades da família Guerra. Como o atestam este e outros muitos documentos do seu Arquivo Particular. Em duas palavras, a história começou em Guimarães e permanece em Famalicão. Lá, ficou apenas - e permanece - na Igreja de S. Francisco, em uma capela lateral que era do Bispo, o brasão de armas da Casa de Pindela.

 

(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 04.OUT.2018)