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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Comparando...

João-Afonso Machado, 03.02.14

A corvina pesava mais de 20 quilos! Um autêntico troféu, uma raridade naquelas redes diárias de carapau e cavala, alguma sardinha ou esqualos de pequeno porte. A praia confluiu rumo ao barco e à longa tripa que, saída do mar, findava num bojudo fervilhar de peixe a sufocar.

Assim agonizava a corvina: a espaços abrindo a boca, a espaços cada vez mais distantes, o corpo inerte, cobiçado por uma imensa multidão em seu redor. Não haveria quem, de uma paulada na cabeça, lhe pusesse termo à sua longa asfixia, àquele tormento? Num derradeiro dar de cauda, foi levada pela guelra, entre mãos possantes. Talvez ainda vivesse na camioneta que a conduziria ao mercado...

E no areal permaneceu a arraia miúda. Geniosa, esperneando das caudais, qual enforcados na corda, teimosos em não morrerem mas irremediavelmente condenados. Assim os peixotes foram enfiados em cabazes, vivos, vivissimos, muito fresquinhos, conforme o cliente quer, e exibidos pelo pregoeiro da lota. A sua boca ainda suplicava o oxigénio que as suas guelras não respiravam, ao entrarem nas sacas já no rumo da cozinha dos apreciadores...

Devidamente enfarinhados em areia, ficavam, semienterrados e pisados, apenas os incomestiveis para nós, mas não para as gaivotas que, aliás, dispensam sempre a fritadura.

É assim a arte xávega. Não tem de ser assim a pesca à linha, porque o peixe incomestível regressa às águas e em águas vai o amanhável, até uma morte rápida na cozinha. Tal qual uma peça de caça abatida a tiro.

Mas a caça é um desporto e a arte xávega uma actividade antiga, em vias de extinção. Deve ser por isso se justifica nela os animais pereçam em muito maior sofrimento...