Bernardino, o ás dos velocípedes
Era eu um jovem de 30 anos, vi-me envolvido num embróglio que me custou, além de outras mazelas, uma fractura e um traumatismo craniano. Lembro bem: já consciente, tentei impor me deixassem ir para casa, hospitais não eram comigo. O neurologista, um sábio, disse apenas - Você fica, por muito menos do que isso morreu o Joaquim Agostinho!
Assustei-me. De tal maneira que o meu Pai, logo presente, foi atrás do clinico, alertando-o de que ainda me matava da cura. E assim decorreu uma semana de internamento.
Andaram muitos anos e, de cada vez que pegava uma bicicleta, o episódio vinha-me ao espírito, não pela sarrafusca na boite, mas pela invocação de Agostinho. Como agora mesmo, quando fui convidado para um passeio ciclistico homenageando os museus da nossa terra. A mim que não montava uma bicicleta desde antes de terem inventado as rotundas.
Mas lá fui, já anunciara que ia. Com o grupo das pasteleiras, dos benquistos da antiga roupa domingueira, da criançada e... do presidente Bernardino!
Não perde uma, o velho malandro. Ainda agora, com quase duzentos anos. Por ele um jovem actor amigo, da actual encarnação (que eu conheci noutra, a de um velho morgado minhoto), encartolado, com o seu fraque, barba bem tratada e coisa e tal. Um dandy absolutamente bernardinesco. E sempre muito de salão, mas sincero, - o vencedor republicano veio abraçar o monárquico vencido!
Esse foi o suadíssimo passeio. Passarinhando entre cinco museus (aquele cicerone que se saiu a dizer o Santo António era jesuíta - Bernardino, anticlerical, ficou em silêncio - fez-me concluir eu não seria a maior cavalgadura no exercício de tal mister), dando à perna, dizia, invariavelmente sob o som das gaitadas das velhas traquitanas e sempre em amena cavaqueira com o presidente.
De resto, num repente, vi-me sozinho na cabeça do pelotão. Não podia ser: então e o protocolo? Abrandei, abrandei, abrandei, até Bernardino me alcançar. Assim seguimos lado a lado, o alto-burguês republicano e o proletário monárquico. Com direito à costumeira selfie, claro está.
Mas correu tudo muito agradavelmente. O presidente pedala que se farta, é um artista das campanhas eleitorais. O "Bernardininho das gingas". Saúda à esquerda e à direita, a campaínha da bicicleta parece uma visita pascal toda, e em nada polui o burgo. Como não podia deixar de ser, muitos foram os que o abordaram, reclamando o regresso à Monarquia. - Ossos do ofício - como diz António Costa, quando cercado pelos «lesados» do BES.
Tranquilo, já inscrito na História - para o bem e para o mal - Bernardino sorria e cumprimentava, o chapéu alto na mão erguida. E eu, no fim, - Sr. Presidente, aqui, por favor, só mais uma selfie!