Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

"António Feijó - um poeta monárquico"

João-Afonso Machado, 15.07.18

IMG_2635.JPG

Admitindo a dúvida – isto é, erguendo-se alguma voz questionando as convicções monárquicas de António Feijó – sempre poderíamos retorquir – se nunca se afirmou republicano é porque não o era… Ou – se manteve as amizades que foram suas toda a vida, será de deduzir comungava do mesmo credo político; o lado aguerrido, aquele que necessitava manifestar-se, marcar presença, era o dos minoritários próceres da República. Haja em vista Guerra Junqueiro, por exemplo; os demais limitavam-se a fazer a sua arte, ou a cumprir o seu ofício, e assim foi com Feijó. Sem embargo – enquanto poeta – da sua académica inclinação para o positivismo, do seu posterior parnasianismo, do sempre seu essencial lirismo. Onde outros viam a sociedade macerada, a severidade do quotidiano na cidade, António Feijó regalava-se – ou sofria as saudades – do seu rio Lima.

Escrevi há anos um livro intitulado Minhotos Diplomatas e Amigos – A Correspondência (1886-1916) entre o 2º Visconde de Pindela e António Feijó. Trata-se de um trabalho transversal à história política do País e à familiar dos dois intervenientes, conforme ambas emergem das cartas que trocaram ao longo de 30 anos. Frise-se: um e outro unidos por fortíssimos laços de amizade, sem qualquer cerimónia em defenderem pontos de vista opostos, exteriorizando um notável sentido critico, muitas vezes pondo em causa certas e determinadas atitudes do Rei, mas jamais deixando cair qualquer dito contra a Instituição Real.

E, realçando essa fraterna ligação entre o Visconde de Pindela e António Feijó, aqui deixo um poema que este, lá de Estocolmo, enviou ao amigo comum, Isidoro de Magalhães, comandante de uma unidade militar aquartelada em Valença:

 

Aqui tendes, major, numa estrofe mortiça

O desejo, a ambição destes dois retratados:

Oito ou dez colossais melões da Vilariça

E dois toneis de vinho verde engarrafados.

Se em Âncora ou Caminha houver Pedros e Paios,

Pelos ferros-carris, sem hesitar, mandai-os.

O vinho é para mim; Pedros, Paios e aquela

Delícia de melões – tudo para o Pindela.

 

Neste enredo, poderão introduzir-se ainda outros personagens. O principal dos quais, o Conselheiro Luís de Magalhães, sem dúvida, decerto o mais íntimo de Feijó. Este um dado muito importante, atenta a acidentada e assertiva vida política do filho do célebre José Estevão. Quer quando sobraçou a pasta dos Negócios Estrangeiros, durante a governação de João Franco, quer pela sua actividade conspirativa após 1910.

Mas dois simples excertos de uma carta transcrita do sobrecitado livro, com data de 24 de Abril de 1906, chegarão para comprovar a fidelidade do poeta limiano ao Trono. No primeiro, não deixa de abordar a intriga político-partidária que tanto desgastou o regime: «De Lisboa só me escreve teu Irmão [o Conde de Arnoso], e esse, coitado!, a política causa-lhe tantos dissabores, que nem dela me fala. [José Maria d’] Alpoim raríssimas vezes me escreve, e sempre de fugida. Resta-me como informador o Luís de Magalhães. Este, porém, há imenso tempo que me não escrevia, muito ocupado com variadíssimos negócios. Recebi ontem, porém, uma carta dele falando-me da fusão confidencialmente. Confidencialmente também te digo que o Luís se opôs, como era de prever a essa híbrida aliança e que se recusou a ir à Câmara com votos dos progressistas». E adiante, a propósito da vinda a Portugal do presidente da República francesa: «A visita de Loubet foi uma coisa pavorosa pela exibição das forças republicanas. Ninguém fez caso disso e continuou todo o mundo a asnear. Agora foi a Marinha, amanhã serão as forças da terra, e um belo dia a guarda municipal. Depois será o que Deus quiser

Absolutamente premonitório!

A 19 de Maio desse mesmo ano de 1906, em outra missiva, manifestava a sua esperança em, no novo governo, «o nosso Chefe será o Luís de Magalhães, se ele aceitar, o que duvido». Tem palavras pouco simpáticas para com o dirigente regenerador, Hintze Ribeiro, e outras de expectativa, relativamente a João Franco, não crendo que «os republicanos se acalmem porque é ele o seu maior inimigo». E dois dias após, em outra carta, declara abertamente o seu franquismo: «O Governo actual pode fazer muito se não tiver a pretensão de fazer coisas grandes e se contentar em fazer coisas boas. Portugal é um doente combalido. Se lhe derem remédios enérgicos acabam com ele. Tenho uma esperança, embora ténue. Deus queira que me não engane».

Em muita outra correspondência transcrita naquele livro vamos encontrar sinais evidentes do monarquismo de António Feijó. E da lúcida visão política, às vezes tão pouco expectável em alguém tão essencialmente poeta. Justamente em 1906 morre, muito novo, o 2º Conde de Arnoso, João Maria Rodrigo Pinheiro da Figueira e Melo, oficial da Armada e sobrinho do Visconde de Pindela. Pertence-me um original manuscrito, datado e assinado por Feijó, de um soneto que lhe dedicou:

 

Como um dos seus avós em justas e torneios

- Pais de Abranches, que foi dos Doze de Inglaterra,

Com uma ânsia de glória, em altos devaneios,

Corre o mundo, de mar em mar, de terra em terra.

 

Não leva escudo, o moço ilustre, nem couraça,

Que o tempo é vil; mas como arnês de paladino,

Leva a honra e o valor de toda a sua raça

- Grande exemplo a apontar-lhe o mais nobre destino!

 

Mão na espada, a entrever combates, a alma pura,

Já belo, dessa estranha e amarga formusura

Que o fim próximo imprime aos vencidos da Sorte,

 

Vai na tolda a sonhar, - sonho feito em pedaços!

 - Pais de Abranches voltou com a noiva nos braços,

Ele… voltou também, mas nos braços da morte!

 

Uma questão final ainda. Qual o percurso de Feijó após a implantação da República? Mais um adesivo ao novo regime? É certo, manteve-se no seu posto, à frente da legação portuguesa em Estocolmo. Necessariamente passaria a obedecer à República e a republicanos. Mas não havia como evitá-lo. Era um homem casado, pai de dois filhos e sem fortuna pessoal. Ainda assim, não mais regressou a Portugal senão após a sua morte, quando foi trasladado para Ponte de Lima. Mas, enquanto vivo, manteve sempre a troca de cartas com o amigo de Pindela. E, sabedor do aproximar do fim do 1º Conde de Arnoso (Bernardo), buscava novidades dele através de Luís de Magalhães: «Há dias tive um pressentimento de que o mal se tinha agravado e telegrafei para Pindela a pedir notícias. Já o nosso querido Bernardo tinha morrido! Imaginas a minha atribulação. Tudo se desmoronou em volta de nós

 

Realmente assim tinha sido. Com toda a sorte de males e o tempo muito empenhado em levar as pessoas. António Feijó entregaria a alma ao Criador em 1917; o Visconde de Pindela em 1922. Antes, todavia, nos seus tempos gloriosos de vate limiano, dedicou-lhe em Sol de Inverno o poema A Cidade do Sonho:

 

Sofres e choras? Vem comigo! Vou mostrar-te

O caminho que leva à Cidade do Sonho…

De tão alta que está, vê-se de toda a parte,

Mas o íngreme trajecto é florido e risonho.

 

Vai por entre rosais, sinuoso, e macio,

Como o caminho chão duma aldeia ao lugar,

Todo branco a luzir numa noite de estio,

Sob o intenso clamor dos ralos a cantar.

 

Se o teu ânimo sofre amarguras na vida,

Deves empreender essa jornada louca;

O Sonho é para nós a Terra Prometida

Em beijos o maná chove da nossa boca…

 

Visto dessa eminência, o mundo e as suas sombras,

Tingem-se no esplendor de um perpétuo arrebol;

O mais estéril chão tapeta-se de alfombras,

Não há nuvens no céu, nunca se põe o sol.

 

Nela mora encantada a Ventura perfeita

Que no mundo jamais nos é dado sentir…

E um beijo só colhido em seus lábios de Eleita,

A própria Dor começa a cantar e a sorrir!

 

Que importa o despertar? Esse instante divino

Como recordação indelével persiste;

E neste amargo exílio, através do destino,

Ventura sem pesar só na memória existe…

 

É, nas exímias estrofes de Feijó, o hino melhor cantado ao sonho de ambos, à razão de tanto criticismo e azedume político nas suas missivas – a distância a que se sentiam do almejado Portugal perfeito. Mas, insisto a terminar, sem uma palavra de ambos contra a Instituição Real, que sempre serviram fielmente.

 

(In Real Gazeta do Alto Minho, nº 16)