Alvorece, lembro sempre onde
Perguntado se escrevia todos os dias, respondi inevitavelmente - sim! Com uma prontidão contrária à da escrita, não porque as palavras não as descarregue de jorro, mas porque é o momento de as ideias fervilharem pausadamente, absolutamente vagarosamente, lidos todos estes advérbios traço a traço entre cada sílaba, no silêncio esparso por todo o espaço do espírito. Somente absorto na quietude do acto vazado no meu livro de orações: o caderninho negro cabendo no bolso do casaco onde apenas redije o lápis da minha lapiseira com ordens expressas de um risco censor jamais. O resto virá depois, ainda demorado, o aplainar das palavras (sempre desbocadas) no cuidado próprio de quem sabe, - esta caneta de tinta permanente (agora) é como uma navalha afiada em mãos incautas, bem pode lascar-nos os dedos que a manejam como distorcer as ideias, repetidas, infieis, mal desenhadas.
E tudo afinal porquê e para quê? - dirão - sem resposta que possam levar além da circunstância de este ser o tempo todos os dias em que o dia está nascendo e o parto condenar-se-ia não fossem mais estas amostras de sangue guardadas no frigorífico.