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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

"A homenagem ao «médico dos pobres»"

João-Afonso Machado, 12.12.19

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Se eu conhecesse pessoalmente o Senhor Dr. Miguel Machado, enviar-lhe-ia daqui um abraço muito menos cerimonioso do que o cumprimento devido a um desconhecido, conquanto um médico presente para todos os menos ausentes.

Não obstante, escrevo sobre a sua ilustre pessoa. Um vulto, já não sei há quantos anos atrás, topei-o de relance, ele com dois colegas de profissão, nos corredores do nosso hospital – descontraidamente, a bata desabotoada, o estetoscópio ao peito. Alguém o interpelou no seu percurso – creio seria uma criança, um jovenzito – e logo surgiram palavras simpáticas de encorajamento, um sorriso enorme, um momento quase de exuberância. Perguntei eu, na altura, - Quem é? – E quem me acompanhava respondeu – É o Dr. Miguel Machado!

E de recordações sobre este Senhor ficamos por aqui. Com os anos a correr, sempre obedientes ao Tempo.

Depois, soube da homenagem que a Associação da Casa da Memória Viva lhe destinava, acompanhei mesmo os seus preparativos, algo longinquamente. Decorreu essa cerimónia há quase um mês no Louro, para ser mais preciso, no restaurante Outeirinho. Informaram-me, com a casa cheia, absolutamente à cunha. Era gente de proveniência diversa, gente de representação institucional, a conferir-lhe a merecida solenidade, e cidadãos comuns, toda uma enorme manifestação de amizade e gratidão.

Tive, então, oportunidade de saber algo mais acerca do Dr. Miguel Machado.

Por exemplo, é natural da freguesia de Castelões, estudou em Braga e licenciou-se em Coimbra, tendo interrompido o seu percurso universitário para cumprir o serviço militar. De retorno ao trabalho, especializou-se em Pediatria.

E depois foi uma vida quase toda passada em Famalicão e redondezas. Onde ganhou o cognome de «médico dos pobres». Algo às vezes difícil de entender, depois de Júlio Diniz e do seu improvável João Semana. Por isso um título honroso e conforme a uma atitude de vida rara – a dos dedicados ao próximo. O Dr. Miguel Machado reformou-se em 2004 mas continua a oferecer particularmente os seus préstimos profissionais. Sendo dos famalicenses conhecida a sua biografia – e não sendo eu aqui um biógrafo – não será necessário adiantar mais dados sobre a vida do Dr. Miguel Machado. Valerá a pena, sim, meditar um pouco sobre o exemplo que transmite.

Porque está ali o contrário do estereótipo do clínico acelerado, em órbita enervada pelas urgências dos hospitais. Naqueles assustadores momentos do medo e da hesitação, do abandono em que se sentem os doentes. Despachados de rompante, é longa a sua fila nos dias mais turbulentos.

Um médico de cá. Da sua gente, a quem dedica a sua medicina. Mais um factor a levar em conta, recordando tempos idos em que se vivia mais devagar, mesmo sem tanta ciência e assaz menos meios. Onde essas falhas se colmatavam (como João Semana…) com o coração do “facultativo”, o seu espírito, todo o empenho da sua alma em prol de uma vida sofrendo e dependendo de si. Nada mais reconfortante para um doente do que sentir ao seu lado não apenas o técnico mas também a pessoa.

Tudo o indica, a longeva carreira do Dr. Miguel Machado é uma existência direcionada em tais parâmetros. Proficiência e humanismo. Daí o carinhoso, histórico atributo - «o médico dos pobres».

Uma palavra final para a Casa da Memória Viva, bem vistas as coisas uma associação acabada de vir ao mundo, mas já cheia de vida, e que nesta sua infância não havia de esquecer um pediatra famalicense, claro!

 

Da rúbrica Ouvi nas Caminhetas, in Opinião Pública de 12.DEZ.2019