A exumação
O mochinho, ainda muito de penugem amarela, vivia o seu terror fora do ninho, no jardim junto às escadas. De onde veio e como foi lá parar, é o que ninguém soube explicar. Mas chegou logo uma caixa de sapatos, qual ambulância, e um lugar nos Cuidados Intensivos no terraço, mais pedaços de um hamburguer para o confortar. Não demorou, piava, piava, e, sobretudo, comia. Óptimo sinal! O mochinho transitou então para Observações.
Todavia, ao anoitecer, o seu estado piorou. Metiam dó os seus olhos semicerrados, muito titubeante, já num silêncio agónico. Esfumavam-se fundadamente as esperanças. E o mochinho faleceu durante a madrugada, sendo sepultado ao amanhecer.
Mas surge inopinadamente a ordem telefónica - havia que exumá-lo. De novo se voltou aos secos comentários da enxada contra a terra seca... Sequíssima, ríspida, sem vislumbre de piedade. Imposições do Ministério Público? Não, não subsistiam quaisquer suspeitas de crime. Simplesmente, o mochinho doara o seu corpo à Ciência. Está agora no Museu de História Natural da Faculdade de Ciências do Porto.