"A Casa das Bolachas"
Quando a manápula entrava boião adentro, os nossos olhos arregalavam. Como se esperassem o fatal desfecho de um “Órgão de Estaline”. Duas fieiras de quatro bocas oblíquas. História política à parte – chega de a esbranquiçar… – era na mesma uma bateria, mas desses obuses só explodiam rebuçados e bombons. E explodiam sempre poucos, muito aquém da sonhada montanha (dos ditos rebuçados e bombons), que paria apenas ratinhos. Era assim em lugares múltiplos, no Lopes & Costa também.
Essa memorável instituição – o Lopes & Costa – está bastante próxima no tempo, ainda, para que ora se avance mais no seu memorial. Facto é – encerrou. E, três anos volvidos, vamos dar com um rebento dela no Shopping Town – a Casa das Bolachas.
Derivemos um pouco. Até aos idos da minha geração na Telescola. Quando uma certa menina, sobre o bastante moreno, se apresentou ao serviço envergando uma bata com o fatal bordado - «CO», de Conceição Oliveira, as iniciais no bolso da lapela. O seu irremediável passaporte para um nome só – Có – que ultrapassou as fronteiras da Vila e se instalou na Cidade. A Có!. Ad tunc et semper.
E ao par de uma outra actividade também concebida pela Có - ainda no Shopping Town, um espaço de apoio a idosos e incapacitados – restou vagar para esta nova iniciativa. Na loja em frente, menor, mas com mais ladrilhos de marmelada. A tal Casa das Bolachas! Coisas boas e obrigantes de fatal desobriga às voltas no Parque da Devesa, por causa dos açúcares…
Do que apurei, a ideia foi, sobretudo, criar um veículo comercial para os comestíveis artesanais famalicenses. Por exemplo das empresas Vieira de Castro e Estrela Doce, além daquelas estritamente familiares. É bom, retenhamos a ideia, - ninguém perde trazendo para ali as suas compotas ou os seus biscoitos; e a Caixa de Bolachas vai enchendo e distribuindo, com o que não empobrece também.
Já Famalicão, por um lado e o outro, vai servindo os famalicenses. Entre “portas” da Vila. Como até há pouco no supermercado do Sr. Costa, foram tantas décadas, tanta gente, tanta amizade… (Soube agora, uma alegria, o Sr. Alberto é bem vivo e de boa saúde!) Ora tudo isto, não me ocorre algum empório hipertudo que se lhe equivalha. Contabilizando: bolachas e afins, marmeladas, compotas, produtos minhotos e durienses, acabo de chegar ao moscatel de Favaios e ao Vinho do Porto, despertaram-me o palato – como é fino dizer – as geleias dos ditos e de alvarinho também; e dou enfim com os melhores biscoitos do mundo, os de Valongo, a revolver na memória as muitas sacadas deles que comi, antes de tornar-viagem. Se por cá já se cozinha o leitão da Bairrada, como não fabricar ainda os biscoitos de Valongo?
Vale a pena, a Caixa de Bolachas. Mesmo porque vale também a pena não deixar cair o Shopping Town, já que ele lá está. Sejam povoados os seus corredores, fujamos todos das catacumbas, respire-se ar puro, luz e movimento. A Caixa de Bolachas nasceu a pensar assim, uma loja “à antiga” no que se pretende uma actualidade sempre bem esperta. E “à antiga” no seu mobiliário – as estantes, a mesinha e as cadeiras algo “five o’clock tea” – e no conforto de uma conversa animada, uns sabores sossegadamente caseiros.
Mas sobretudo a bomboneira, ou rebuçadeira, ou o que lhe queiram chamar. Eu apelidei-a de “Órgão de Estaline” relembrando a nossa voracidade de miúdos, quando 25 tostões tantos rebuçados eram e pareciam sempre tão poucos; e ali se acumulavam, também, milhões de bombons embrulhados em cores múltiplas, com recheio, pequenos, maneirinhos, aptos a serem lambuzados às pazadas… Mas nunca nos portávamos suficiente bem para merecermos tal prémio na sua plenitude… Essa a pacata invencibilidade do único aceitável “Órgão de Estaline”, agora mesmo com os mesmos palatos (sempre “fino”…) e a gente a dar conta de que, afinal, nem tudo é velhice e uma mão cheia de caramelos – ou de biscoitos de Valongo… - ainda marcha num instante.
(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 15.DEZ.2016)