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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Agora foi - de caras com a minha personagem

João-Afonso Machado, 10.12.20

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Só amanhã a Salette voltaria a massacrar-me o espírito. Trouxe, conforme lhe pedi, o chá de camomila e já nem me lembro se dei as boas-noites à Dona Mécia e ao Egas. Sei que dormi como um calhau acordado pelas lambidelas deles. Passava do meio-dia. A custo fui reorganizando as ideias, dando-lhes cronologia e sentido. O acento tónico residia no recado do Nel. Com que então, a minha personagem era de Lisboa!!!

A maré corria ruim. Estávamos no S. Miguel, vinham aí as Feiras Grandes; depois as rendas dos caseiros e, de caminho, o Natal e a invernia. Logo a Páscoa, as sementeiras e a colheita. Havia que olhar pelo velho morgadio! Só lá para o Verão...

Entretanto, poetaria. Dar-lhe-ia, à minha personagem, em soneto, cabeça, tronco e membros de deusa olímpica. E fá-la-ia gente de inalcançável acesso, senão a minhotos e outros titãs. E esperaria biblicamente pelo seu advento.

Assim atirei abaixo umas tantas perdizes e risquei no chão, com o meu cajado de marmeleiro, o calendário e as curvas mais lindas do seu ser. Sempre em silêncio, não fosse a malquerença da Arlette ou do Nel me ouvir.

No Verão, finalmente, com o milho já a dourar, anunciei férias. - Oh! Salette, vou uns dias para os Senhores meus primos. Você olhe por isto, entenda-se com o Sousa, está aí, nesse papel, o telefone para qualquer emergência.

E fui. O Primo Zé Aniceto tem uma casa magnífica em Sesimbra e recebe como só ele mais a Prima Zizi. A estadia era sem prazo datado.

Pois numa dessas tardes de praia, não sei o que me deu, levantei-me de um salto. - Primo, estás bem? -  Estou, estou, vou só dar uma volta... - Queres companhia? - Não, bem hajas, prefiro ir sozinho...

E toca a marchar, naqueles areais comidos pelas rochas ressoando ao sabor das ondas. A passar os bicos das falésias por penedos que assustavam - Mas que é isto? - pensava eu - no Douro o calor é maior e o tombo também...

De fraguedo em fraguedo cheguei a uma praia vasta, atrás de mim o fantasma de Setúbal, andam agora por lá com umas construções do demo, galinheiros sobrepostos em cima do mar!

Foi quando a vi, a minha personagem. Sem dúvida, juro por Cristo! Tostada do sol, loira, caminhando na orla das águas. (O Nel é um selvagem!) O vestido leve a tapá-la, um olhar indecifrável... Cara a cara comigo e a natural cortesia de um cavalheiro - Boas tardes! - Em resposta, um vago aceno de cabeça. Como descrevê-la?

Oh! Como descrevê-la?! Dêem-me respiro, que eu logo a descrevo.

 

Por causa da saudade

João-Afonso Machado, 08.12.20

Ao longo dos anos, criei e treinei muitos perdigueiros portugueses. Biografei cada um, creio que só com o intuito de deixar esses escritos aos meus filhos. E agora, ao de leve, apetecem-me umas palavras sobre três cadelas, minhas queridas.

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A primeira, a Minês. Trouxe-a pequenina, cedo a levei à caça e a estraguei com a fossanguice das lebres. Cão de parar não é cão (no caso, cadela) de correr atrás dos bichos. Aquilo é estacar, esperar, ouvir o tiro e ir buscar. Pois as lebres, nessa magnífica caçada alentejana, baralharam-lhe o instinto. Ainda assim, bocou sempre bem e com a boca tenra, sem estragar as aves. Um dia, roubaram-ma, mais nada soube dela, não obstante as minhas tantas procuras. Não sei se é viva ainda - mas se o autor da proeza ler estas linhas (quanto eu gostava!), também perceberá que há muito chumbo encartuchado para lhe cobrir o feito e me apagar a dor...

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Assim fiquei com a sua filha, a Tareja. Gravemente doente, quase logo à nascença, vingou por milagre e, em casa, nunca outro canídeo foi tão tímido. Porém, em terrenos de caça, transfigurava-se e jamais tive uma máquina caçadora assim. Topava as perdizes para mim e para todos os parceiros do grupo. Sem se afastar aqui do jovem, parava, esperava, ia ao cobro. Morreu trágica e estupidamente, esmagada pelo pescoço no recuo de um jipe... Ao menos, jurou-me o veterinário, num instantâneo que não a deixou sofrer.

Merda de vida, a de um pai dos seus cães!... Já Torga escrevia (Nero, in Bichos) - «E à noite, quando o luar dava em cheio na telha vã da casa (...), quando o cheiro da última perdiz se esvaiu dentro de si, quando o galo cantou a anunciar a manhã que vinha perto, quando a imagem do filho se lhe varreu do juízo, fechou os olhos e morreu» - esse perdigueiro, o Nero.

Sobrou a prima da Tareja, a Dona Mécia. Uma madame. Como segunda cadela, nunca lhe dispensei grande atenção de caça. Foi sempre mais caseira.

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Uma bricalhona, tanto quanto mimalha e possessiva. Traz bem à mão mas gosta pouco do barulho dos tiros. De caminho, está envelhecendo, mais sossegada, mas sempre de olhar meloso, à espera de uma festa, uma beijoca. Não será mais do que é. E agora é uma boa companhia citadina. Anda diariamente comigo. Um dia destes, apresento-a aos juízes da comarca e, enquanto discuto algum acordo judicial possível, ela conta-lhes as aventuras dos seus pares. Pode até dizer-lhes que aqui o pai se inspirou naqueles olhos a derreterem-se para intitular um novo livro. Não é mentira.

 

No tropel do Tempo

João-Afonso Machado, 07.12.20

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Em lugares do meu sangue ainda se ouve à distância sapatear na pedra. E os cães ladram excitados por esse ritmo que já não é de todos os dias. Nem sequer brotando de dentro, antes das redondezas, simpática vizinhança e abençoados domingos e feriados...

Então, a calçada enche-se do matraquear dos cascos. Os grupos de pedestres param a deixar passar as atrelagens, como quem folheia um pouco à pressa a história de antigamente. E a admiração cresce com algum esquadrão de cavaleiros, numa carga heróica contra o tempo, fazendo-o recuar, espadeirando as motorizadas.

Assim a minha vadiagem me conduz a memórias saudáveis e carregadas de sentido e estética. Muros graníticos, ramadas, o sol outonal... Ainda nadamos, à tona do plástico.

Possa, por isso, o presente ser apenas um momento menos bom, com sucessores muito melhores. Até que, na dança das cadeiras entre o antes, o agora e o depois, a gente se ria porque foi o passado que perdeu o jogo e ficou de pé.

Era vivermos felizes hoje: entusiasmados pelo tropel de amanhã, sem ressentimentos com ontem.

 

Dora, traz a minha samarra, sim?

João-Afonso Machado, 05.12.20

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Deu, de repente, para o frio, presenteados pela quadra, pela época própria dele. Mais para norte neva com força. E a Protecção Civil faz o que é capaz de fazer - recomenda cuidado.

Dora, amiga, não esqueças a minha avançada idade. Por favor, vai ao armário e traz-me a samarra. Sim, ela está muito ao fundo, desprezada por esta tolice do aquecimento global. Mas é facílimo descobri-la: em antracite, com a gola mais bonita das cercanias (não, não fui eu, não atiro a raposas...). Enfim, não é produto artesanal, é a sucessora de outra, comprada na Feira da Ladra, que há trinta anos, tão cortês e de tão fino corte, fazia parar o trânsito. Esta, aquece-me agora, nos tempos escassos em que tenho frio. Esse frio, Dora, que vem chegando contigo. 

Cá para cima, neva no Gerês, em Montalegre, na Gralheira. Creio, no Baixo Minho não gozaremos tal felicidade. Não sei (por acaso, intimamente sei...) porque não marcho para a terra dos bois das chegas e me deixo ficar por lá...

Ainda assim, sobra temperatura deficitária para a minha querida samarra, ansiosa por vir à rua, logo mais quando for às compras. Já lhe prometi uma garrafa de bom tinto, a aquecermo-nos a alma amanhã. Também lhe prometi, a mais antiga loja de cá, uma chapelaria, está em liquidação; vou nela por um boné, outro para a colecção. E contigo, samarra, com essa nova - e ignota - cobertura mais a máscara covid, assaltaremos a diligência. Levando todo o ouro burguês, a pedalar forte na bicicleta-ciclone, escurecido o horizonte, pela sacra causa dos Reis, nossos Senhores. Há que lhes devolver o tesouro da Nação...

Senão for agora, quando poderá ser? Em breve? - obrigado Dora, volta sempre!

 

"Contos da Saudade" - outro livro, outras histórias

João-Afonso Machado, 02.12.20

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A saudade é minha. Os contos também. Andando sempre em volta de Famalicão - não estou aqui para enganar ninguém - porque é essa a minha banha da cobra. O livro ainda sairá este ano. Contra todos os covid's.

Não haverá - é evidente - apresentação pública. Mas ficam exemplares para quem quiser. Oportunamente comunicarei os meios de os obter.

Em tudo, a minha terra e, só mais do que ela, o meu ser. O resto do que sou, na idade de quem  já não vai sendo.

A seu tempo, as necessárias informações sobre um escrito que até pode ser o último. Pelo menos no género.

Um abraço, meus velhos amigos!

 

Por aí...

João-Afonso Machado, 01.12.20

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Tenho para mim, Vergílio Ferreira desencontrou-se quando proclamou a eternidade é «a medida da impaciência», no mesmo tempo (in Na Tua Face) em que sustentava «a lei da vida é assim, quanto mais se vê uma coisa, menos se vê».

Eu, sem terra para tudo simplificar, fico agora numa encruzilhada, ignorando o que fazer: permaneço na paciência dos lugares bonitos - e morro, dou em ossadas a juntar ao monte, - ou abandono-os e ganho a infinitude?

 

Afinal não, a minha personagem é de longe!

João-Afonso Machado, 30.11.20

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Tive de me organizar. Principiei numa camisaria em Passos Manuel e noutra lojeca ao lado, por razões óbvias e, novamente no hotel, pedi uma chamada para avisar a Salette da minha ausência. - Oh Sr. Machado! mas então não combinou com os carpinteiros eles virem cá amanhã? - Que venham. Você abre-lhes a porta e leva-os à adega e tudo se resolve, já falámos sobre o serviço. Pague-lhes e depois fazemos contas.

Excelente mulher, a Salette, mas um pouco governanta demais para o meu gosto...

Urgia agora tratar de coisas sérias. Sobretudo, onde me posicionar de tocaia para surpreender a minha personagem. Aceitei ela circulasse, ou residisse, ao cimo de Santa Catarina ou adjacências - na Rua do Bonjardim, talvez na Constituição, em Latino Coelho (quem sabe não era professora no Colégio da Paz?...). Ora, dadas estas coordenadas, o Marquês seria um ponto probabilíssimo de passagem; e no Marquês, como ponto aceitável de vigia, o Café Pereira, amplo e muito envidraçado. Ficaria...fiquei por aí, durante duas, três, quatro tardes alternando o copo de cerveja e o cigarrinho, fazendo as palavras cruzadas de O Primeiro de Janeiro, distraindo-me com as secções dos acidentes de viação e das doenças súbitas e mortais, com o que ia pelos cinemas, algum desporto, a necrologia. Até ao regresso ao hotel e a um frugal jantar... e até ao momento bendito em que o misterioso vestido negro surgiu, atravessando o jardim da praça!

De um salto estava cá fora, no seu encalço. Mas, à medida que me aproximava, ia topando uma cabeleira empastada, a tosca malha da indumentária, com um buraquinho e borboto, a falta da carteira tão distinta, uns sapatos rasos e muito deformados... E, já frente a frente, numa face borbulhenta e num buço maior do que o meu bigode, algo erguido por um timido sorriso de sacristia. Enganara-me!

Foi muito duro. Custou horrores aceitar não era aquela a minha personagem. Reunindo as escassas forças que me restavam, paguei a conta do hotel e, cerrando os dentes, segurei o volante do carro e fiz-me à estrada. Sem mesmo avisar a Salette.

Tenebrosa viagem! Escurecera, entretanto, e cacimbava. A cabeça estalava e parecia ganhar umas hastes que cresciam e arranhavam o tecto do meu carocha. Pensei não chegar, buzinei no terreiro como quem pede socorro! e o primeiro a avistar-me foi o gato da Salette, dá-me a impressão olhando para mim como quem observa um tolo irrecuperável. A dona veio à porta - Sr. Machado, que é feito de si, há dias anda desaparecido! E os meus perdigueiros, uivando lugrubemente no alto das escadas, intuindo a violência dos meus males.

Só perguntei à Salette por um chá de camomila quentinho e pela minha caminha. Nada mais queria. - Pois não, Sr. Machado, é para já. Vou só levar os cães ao quintal... - Não, não, a Dona Mécia e o Egas dormem esta noite no meu quarto!

Ficou danada, a Salette. E indo pelo que lhe pedira, ainda a ouvi no corredor - É verdade, Sr. Machado, apareceu por aí o Nel a informar que recebera um telefonema a agradecerem-lhe a reparação do carro daquela moça de fora. Parece que falaram pouco porque a chamada era cara, vinha de Lisboa...

 

Atravessando as linhas

João-Afonso Machado, 28.11.20

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Ir de comboio do Minho a Lisboa e voltar, atravessar a guerra duas vezes cheias de gente temerosa. Um vaivém furando o tempo entre pequenas janelas nocturnas. Impossível distinguir os locais e as fardas, azuis ou cinzentas, nas congeminações históricas que tentam chicotear as horas. Mas a União e a Confederação estão aí, não há vacina que as leve. Vírus mal resolvidos porque eternamente inexplicados. Onde esteve - e permanece - o Bem e o Mal?

Seria preciso tornar aos anais. Respigar de lá a permanente garrafa de bourbon e o charuto sempre rilhado de Grant, versus o aristocratismo de Lee, que não era esclavagista mas não admitia interferências dos de fora nos assuntos do seu estado, a Virgínia.

O idealismo, ou o humanismo, foram apenas uma capa. Deram a liberdade aos negros mas negaram-lhes o ganha-pão. E a miséria é a mãe de todos os vírus letais.

O comboio brame a buzina na correria, mas só para denunciar a sua presença porque, quanto a novidades, - antes não as houvesse... Dos pontos cardeais sobrou somente uma série televisiva já antiga - Norte e Sul - em que a amizade sobrevivia e se reerguia acima dos escombros da matança. Talvez se lembrem, era às segundas-feiras, em horário hoje de confinamento.

Esgueirei-me, mascarado, entre as linhas inimigas mesmo a tempo de recuperar a sua lição: que se trame a cor das fardas, haja, sobretudo, mundo por onde circular.

 

Em mágoas ginasticados

João-Afonso Machado, 26.11.20

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Não faço segredo disso, por todo o mês de Dezembro fecho a casa, pago as minhas dívidas e retiro para um lar. Com o necessário, apenas, para não enregelar nem assar - se chegar ao Verão - e a caneta, o tinteiro, os maços de papel. A escrita envelhece, emperra e, sem consciência das suas limitações, teima, aparece demasiadamente em público, não se cala.

A melhor escrita é um legado sempre, jamais um bate-papo. Ninguém precisa ser lido para escrever. A não ser já no outro mundo, claro, que é onde raramente não somos compreendidos e enaltecidos.

Mal comparadas as coisas, ocorre-me o gamo que eu todos os dias espreitava, contra a vontade do bicho. Mas eram os seus pinchos, o seu bailado entre as cores campestres da Primavera, uma vontade infrene de lhe deitar a mão, como se tudo fosse a macieza de um gato.

Não é. Nem a escrita, nem os saltaricos do gamo, muito menos certas vozes, sobretudo as mais desconfiadas. E o gamo, entretanto, fugiu. Evaporou-se. Alguém me disse o outro dia, viram-no do lado de lá do concelho. Foi outro desgosto: preferiria admirar aquelas pernas agilíssimas pulando nas areias, de rabo alçado, longe e mal agradecido. Com a neblina a enrolá-lo, esfumando corpos e sonhos.

Não por masoquismo, sequer por romantismo. É apenas porque Pedro Homem de Mello tinha razão: «(...) no fundo azul de cada mágoa/Fica a certeza firme da ilusão». Ora aí está. 

 

É do Porto a minha personagem!

João-Afonso Machado, 25.11.20

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O meu estado de alma faria choramingar os mais empedernidos. Olhei-me, por mim todo, anoitecia já, e não me senti com forças para a viagem de regresso, ali perdido em plena Baixa. Decidi então, terminantemente, esta noite dormiria na cidade. No Grande Hotel, o meu hotel de sempre, o velho hotel do Eça, um grande amigo da minha Casa. Em Santa Catarina, onde decerto o meu costumeiro quarto não fora ocupado por algum estranho. Cigarro pisado, num rompante entrava nessa velha amizade - Sr. Machado! Já pensávamos nos tinha esquecido! - Qual quê, Sr. Lopes!

E fui anunciando a minha voracidade de ténia. A qual matei, queirosianamente, com um bacalhau de cebolada, indo a hora tardia. O resultado foi uma luta acesa com a digestão, cama nem pensar, o salão e a telefonia... mas em Portugal há mais novidades além do fado? Ou jornais, criticas, acendalhas políticas?

Por isso o pecado surgiu no meu pensamento. Surgiu, de rompante, e foi descendo aos Aliados, à Mouzinho da Silveira (adequado topónimo, o deste tresmalhado do rebanho do Senhor!), só parando no Infante e nas suas nativas de Pontevedra, sempre muy guapas. E atrevidas...

No dia seguinte, ou no clarear de tal madrugada, a cabeça uma lástima espetada nas minhas mãos, os cotovelos na janela do quarto. Sofrendo erupções sucessivas de espumante de última categoria... E tentando ganhar forças para tornar à terra onde o Nel mecânico - consolava-me eu - decerto já andaria de olho em cachopa mais ao seu jeito. O mal é que a minha personagem mantinha ainda vaguíssimos contornos.

Pois foi nesse arejo, nesse recobro, que juraria tê-la visto, entre os transeuntes de Santa Catarina, mais lá para cima, subindo junto à Capela das Almas, sempre de cetim negro, a elegância a pontuá-la, e a sua longa cabeleira a dourar-lhe as costas. Desta feita com um saco de papel nas mãos, parecendo acabadinho de sair de uma livraria! Ia em andar reflectido, vergado ao peso de quem medita.

Espinoteei. Mas de nada valeria sair e segui-la, logo a perderia na multidão. Fiquei hipnozitado pelo seu ocaso, convicto da arquitectura da sua casa, uma dessas burguesas, ricas  e apalaçadas, com piano de cauda, lugar de cultura e bom gosto.

Termino em dúvida e amargura: regresso ou permaneço? Trago os perdigueiros e batemos a zona? Obrigamo-la a levantar voo?

E entre toda esta tempestade, oiço o melífluo Majestic chamando incessantemente por mim...