Douro
Era o rio, nesse tempo, que me devolvia a liberdade. Em pequenas doses, é certo, tardes de rio mais a cana de pesca e o piar das gaivotas, a olharem de esguelha, asas no vento, o passinho travado. Quando não, madrugada fora até nascer o sol, calhando o robalo andar com fome.
Era o rio, mesmo entre magotes de pescadores, se a cavala e a savelha entravam. Inesquecíveis, deliciosas conversas que me anzolaram a memória. Como correm os anos, meu Deus!
Eramos felizes, eu e o rio. Com ele me sentava à mesa, depois, com as suas cores, o bater das águas nas pedras, o peixe por mim amanhado, assado, devorado. O meu peixe, pescado no meu rio, uma palmadinha nas costas, agradecida, - hoje rendeu, para onde mandaste a nortada?...
Eram também as tasquinhas na vizinhança, uns canecos de branco espertíssimo, muito fresco, e, a nadar neles, a petinga, os carapauzinhos fritos.
Era tudo isso e um coração renovado, o regresso à prisão. Até à próxima fuga para o rio e os seus falares. Sim, no rio a animação produzia marés de reflexão, cantares de silêncio. Um encher de pulmões antes de submergir na incompreensão. Quer as nuvens trouxessem trovoada, quer o sol me despisse a camisa, ... quer as estrelas apertassem devagar os botões do meu agasalho.
Era o rio. Horas e horas e horas, muitas centenas de horas, meia vida de rio.