Pausa e cor
A serra dá-nos nada de descanso. Parece a mais cosmopolita avenida. Não há como não espreitar à esquerda e à direita, para cima e para baixo, tudo são surpresas a estafar a máquina registadora. Mesmo se o objectivo cheira a sangue quente de animal comestível. E o pior são as pausas - os trinados dos chapins, o curvetear de um réptil ou o silêncio garrido dos insectos.
Portas do Rodão. O sol a pique, pouco convicente, e o restante do florido que a estação ainda não afogou em chuva.
- Olha aquela! Enorme!
Pelas minhas contas, de um merceeiro nesta ciência das borboletas, uma papílio-raiada. Realmente, de invejável porte. A nossa imobilidade consentia esvoaçasse à vontade, gozando plenamente a curta vida que a Natureza lhe reserva fora da crisálida. Até por isso, era agora ou nunca.
Que se amanhassem os veados e os javalis. A arma encostada a um galho deu a vez à fotografia. Sossegadamente, tentando a aproximação, um retrato decente. Saiu assim.
Não me pareceu mal de todo. Trouxe com ele a gulodice do polén, as asas intocáveis (ainda não percebi como se conservam e coleccionam borboletas...), um poisar que não o é, mas vale como se fosse. Metralhei-a com a máquina, por via das dúvidas.
E levei-a para casa. Da extensão do monte, recortada nas asas, uma rainha junto dessas esbranquiçadas e minorcas de todos os nossos dias.
Veio comigo. Ela e nenhum outro animal. Veio e mantenho-a, do único modo que sei usar para guardar um insecto que, neste momento, já só se passeia aqui e na minha memória.