O Prado: memórias e histórias
Reza a lenda, era um senhorio de uma filha d'El-Rei D. Afonso III. Senhora líndissima, por quem um cavaleiro se apaixonou e, dada a extensão do rio, mandou construir uma ponte a facilitar-lhe as visitas. Amor sem freio, trabalho de muitos, história perpetuada. Como em qualquer lenda, mentira dos dicionários mentirosos, verdade da Vida, o seu lado real denunciando a realidade perversa da vida. Foi assim! Ponto final.
Depois vieram os séculos, amontoando-se. A Vila do Prado, do concelho de Vila Verde, manteve-se esse lugar de amores, nas margens misteriosas do Cávado. Despretensiosa, rural, alimentando um comércio vago, pacato, e a estrada para Ponte do Lima, ruído único na terra. Ir ao Prado era recordar anos de paz e sossego.
Eu era cliente. Sempre com a cana de pesca, porque os afluentes do rio regorgitavam trutas. De um ano para o outro, tudo mudou. No meu poiso preferido para armadilhar com o anzol, no ápice de uns meses, nascera um cogumelo, digo, uma urbanização. Lembro a estranha sensação em que as botas poisaram, quando lançava a linha. Olhei para os pés - eram os restos mortais de um frigorífico. E no fundo das águas proliferavam os pneus, a sucata, uma obscenidade total.
Nunca mais voltei.
Aconteceu a semana passada. Esgazeei pelo Prado. Ainda lá está o pelourinho, orgulho da vila. E uma botica, duplamente centenária. Mais a pracinha, toda a coçar-se da construção civil que a tomou. Prédios e prédios, quase tantos como os cartazes das imobiliárias - «Vende-se»!
Pois vende. Entre nós, está tudo à venda.
O que jamais conseguiremos recomprar é aquela quietude de vida. Onde o tempo não mandava - cumpria.