À segunda foi mesmo
Já com duas perdizes falhadas, a manhã não prometia. E chovia, de mais a mais. Restava o bendito lugar da aparição. Depois das vinhas e dos lameiros cá em baixo, um pouco além, recanto de mistério e verde eterno escorrido de tanta água, onde não sobra espaço nem visão. Ir era devoção pura, rota de fieis. Cumprida.
Levantaram uns pombos bravos entre a impenetrabilidade do arvoredo. Nada mais senão o alvoroço do seu esvoaçar. E logo junto ao talude outro bater de asas subido do chão, o dorso acastanhado, o tiro à meia volta entre as ramagens e a certeza de uma queda a pique, sem baque, a vegetação uma almofada.
E o talude alto de mais de dois metros, sem interstícios, apenas umas raizes de árvore incapazes de suportar o peso, um drama autêntico, contorná-lo seria perder a referência, adeus peça caída - adeus galinhola!
Impossivel precisar em que silvas cravei os dedos e sangrei naquela aflição em que a arma ficou encostada a marcar o ponto. E a cachopa pegada ao colo, atirada lá para cima, que fosse abreviando o serviço. Seria mau demais não a descobrir entre aquele plantio esponjoso e os fetos e a lenha e o mais onde uma galinhola se pode transformar em agulha no palheiro.
Mas vinte metros além, o sinal inconfundivel da pequena. Ainda saltitava a galinhola, apanhada de asa. Olhando com o olhar fundo das espécies absolutamente selvagens, corajosa dama, a cauda em leque, o instinto e levá-la sob o emaranhado dos caules como um radar que já sondou uma cova, um esconderijo. Abreviei-lhe a dor e trouxe-a. Trofeu dos trofeus na floresta.
Com a máquina digital avariada, o retrato tirado na velhinha, a do rolo, ficará para depois. A minha cunhada Piquita pintou-o à chegada e prometeu mandar-mo. A ver vamos, que isto de cunhadas já não é como antigamente.
Depois de tantos anos... o gosto de um tiro quase na escuridão, a galinhola de todos ave de eleição. E o regresso da caça a territórios a que ela sempre pertenceu e de onde um dia a escorraçaram.