Das "Memórias de um Átomo"
A populaça tornara-se ameaçadora. Olhando sempre com maus olhos os enviados de Sua Senhoria. Esses que vinham pelos tributos, deixando em troca uma marca de fome. Évora era já um rastilho a arder, a revolta iminente. D. José de Sousa ordenou aos seus validos tocassem a reunir as tropas. À cautela.
- Tropas, Sire?,
espantou-se Pedro Pereira, somando à janela uma dúzia de lanças, com as suas rosáceas flâmulas, lá em baixo na praça.
- Pois trazei-as dos confins do Império. Ide com ordens e com vitualhas e Martim Moniz, o meu Alferes-mor, saberá como proceder.
Assim partiu Pedro Pereira, com muitas bençãos de Francisco de Assis e insistências em mercenários africanos, asiáticos...
- Mercenários, irmão Francisco? Não consta da História me haveis recomendado tal!
- Ide, irmão Pedro, ide. Cá me arranjarei com a irmã História.
E Martim Moniz (o Alferes-mor) prodigalizou esforços. A hoste entrou em Évora, enfim, perante o espanto generalizado. Nunca antes tais turbantes, e pintalgados pelames, haviam sido vistos. D. José de Sousa ordenou reunisse o Conselho, todos seriam chamados a votar a nova contribuição. Todos! Os da hoste também.
- Mas, Sire, eles são forasteiros, as Ordenações não o consentem!,
alertavam os sempre leais conselheiros.
- Eles votam!,
teimava o Senhor, querendo-os já burgueses do burgo, tão burgueses como os demais, naturais e nacionais.
- Eles votam, ordeno eu! São iguais!
- Como iguais...
- ... e como votam, se não desbotam?
desesperavam os leais conselheiros, desesperava Pedro Pereira, ele próprio, o das Sete Partidas.
(Com a devida autorização do meu Amigo J. da Ega, a quem mui grato sou.)