Atravessando as linhas
Ir de comboio do Minho a Lisboa e voltar, atravessar a guerra duas vezes cheias de gente temerosa. Um vaivém furando o tempo entre pequenas janelas nocturnas. Impossível distinguir os locais e as fardas, azuis ou cinzentas, nas congeminações históricas que tentam chicotear as horas. Mas a União e a Confederação estão aí, não há vacina que as leve. Vírus mal resolvidos porque eternamente inexplicados. Onde esteve - e permanece - o Bem e o Mal?
Seria preciso tornar aos anais. Respigar de lá a permanente garrafa de bourbon e o charuto sempre rilhado de Grant, versus o aristocratismo de Lee, que não era esclavagista mas não admitia interferências dos de fora nos assuntos do seu estado, a Virgínia.
O idealismo, ou o humanismo, foram apenas uma capa. Deram a liberdade aos negros mas negaram-lhes o ganha-pão. E a miséria é a mãe de todos os vírus letais.
O comboio brame a buzina na correria, mas só para denunciar a sua presença porque, quanto a novidades, - antes não as houvesse... Dos pontos cardeais sobrou somente uma série televisiva já antiga - Norte e Sul - em que a amizade sobrevivia e se reerguia acima dos escombros da matança. Talvez se lembrem, era às segundas-feiras, em horário hoje de confinamento.
Esgueirei-me, mascarado, entre as linhas inimigas mesmo a tempo de recuperar a sua lição: que se trame a cor das fardas, haja, sobretudo, mundo por onde circular.