Gladiador
A bem dizer, a infância era já um árduo treino na arte da luta corpo-a-corpo. Tendo por arena os galinheiros, percebe-se porquê.
A família, numerosa. Os ovos, um alimento fundamental de consumo diário. E aos infantes já de verbo na boca competia ir por eles, assim enfrentando a fúria dos gansos capitolinos.
Imperavam altivos em toda a capoeira. As galinhas, as suas escravas; os galos, um adorno, tal como os inofensivos patos e o pavão; e os perús, a sua tranquilidade natalícia.
Os gansos machos, quais leões, sobretudo ostentavam a sua pose varonil. Mas as gansas silvavam como serpentes e investiam de pescoço raso e bico de crocodilo. Aos cinco ou seis anos de idade combatia-se já pela sobrevivência, de elmo plástico na cabeça, espadas fundidas em aparas de tábuas e escudos de madeira circulares, antigos tampos de retrete.
Por couraça, o bibe. De calções e meias de lã até aos joelhos, servindo de caneleiras. Suportando os sucessivos ataques das gansas, de asas abertas como as dos dragões lança-chamas.
E o escudo ora em cima, ora mais abaixo, a suster esses arremessos, a espada acutilando sem dó nem piedade. Por vezes a benfazeja ajuda do mastim fox terrier, ladrando e dando à cauda, acirrado pelo chinfrim.
Entre mortos e feridos, terminada a lide, os ovos chegavam geralmente intactos ao destino, onde uma Avó das antigas, grata e generosa, prontamente distinguia o gladiador com a palma dos triunfadores e o recompensava, então, com a dádiva da liberdade.