Revisitando o Vavá
Quatro certinhas, fatais, décadas em cima dos seus tempos académicos, esquecidos ele e ela, em partes quase opostas do mundo, como nos Amigos de Alex determinaram o reencontro em poiso de saudades e memórias lacrimosas.
(- Está combinado, Mena? - Firme, Tozé, serei pontualíssima!)
Assim decorreu o pequeno-almoço. Com ritos e gostinhos dos bons velhos anos da Faculdade, frescos como as manhãs de então e apreciados, não por quem fosse para as aulas, mas por quem viesse de uma acesa noite inteira de namoro, em apartamento emprestado.
(- Oh Mena, lembras-te quando nós... - Não fales nisso Tozé, passou muito tempo...)
Nascera com eles aquele pedaço da cidade a desbravar quintas e arredores. Onde o Vavá fora dos primeiros abrigos surgentes, rapidamente um amparo dos casalinhos clandestinos, políticos oposicionistas, gente das Artes e outros dormidores diúrnos.
Os paineis de azulejo assinados por Menês (1958) ajudavam ao ambiente. A uma marginalidade fina, requintada, toda moderna, conspirando contra os costumes de antanho e contra Salazar. Mas sempre sem prescindir do bom serviço de mesa.
(- E aqueles pregos tenrinhos, nós esfomeados e exaustos depois de cada maratona de namoro, Mena? - Tozé, por favor, já te pedi... Eu casei, sou avó...)
Gorduchitos, pesadotes, devoravam-nos recordações dessas tão gulosas correrias termopolianas. O pudor, geralmente, é uma auto-defesa, uma atitude de prudência... Por isso, avançaram para a fase seguinte da permanência diária naquele seu santuário estudantil - as tardes de política e troça aos betinhos. Tudo decorria muito em volta dos papeis dos jornais, as notícias tinham outro sabor, muito mais prolongado no palato, - as novidades eram para a rapaziada o que o vinho, bem apalpado na boca, é para os enólogos actuais. Santa cadência de informação a desses recuados idos, possibilitando o debate, a discussão, a ânsia de amanhã, nada como agora, em que as "de última hora" parecem coelhos a saltar dos telemóveis nos bolsos das calças! Não, o Vavá pós-almoço de há quarenta anos era o restolhar ávido das páginas dos jornais, a impaciente espera dos vespertinos. E uma ou outra zanga, calhando...
(- Mena, e daquela vez que os reaças se armaram em fortes, eram muitos, o patrão até chamou a polícia de choque? - Que vergonha, Tozé! Ai de mim!, se os meus Pais tivessem sabido...)
Houve, de seguida, libelo e contraditório acerca dos colegas, os seus nomes, a sua fortuna, o seu paradeiro. Falavam dos camaradas e das noites de paixão que se iniciavam no Vavá, prolongando-se nos ditos improvisos de amor, Bairro de Alvalade fora.
(- Já te disse, Tozé, não sejas insistente, a conversa incomoda-me! Olha... tudo em volta está tão mudado!)
Estas peregrinações, não raro, dão em desilusões assim. O Vavá perdeu algures as suas sólidas mesas de então, os funcionários de camisa branca foram substituídos por jovens meninas - solícitas, sem dúvida, mas não é a mesma coisa, de todo não é. E aparenta mais ser uma padaria do que uma pastelaria snack-bar. Decerto porque - principalmente - perdeu as muito suas conversas e os intervenientes nas mesmas. Quais fossem elas e eles... - ai de nós!, se os nossos descendentes viessem a saber!...
Na falta dos jornais folheados, mastigados e incendiários, no burguesismo como o de hoje, bacoco e sem encobrimento político, - do Vavá... ficaram apenas, é verdade, os azulejos de Menês.