Amsterdam, onze anos depois
O paradoxo - detectamo-lo ainda o avião vai nas alturas: para não submergir em águas oceânicas, os holandeses deixaram-se infiltrar por elas. Na paisagem rural, é como se os talhões alternassem, ora sólidos, ora líquidos, em toda esse país de tulipas. Mas a cidade não destoa. Amsterdam são canais navegáveis e ruas para ciclistas.
Onze anos depois voltei a apear na Centraal Station, de si mesma um monumento...
... e a vislumbrar os gigantescos cabides-garagens de bicicletas, para qualquer incauto um modesto ferro-velho, não a não despesa de todos, e cada um dos cidadãos, um protesto antigo contra a poluição
porque, realmente, importa inventar, e nisso a arquitectura holandesa parece ter perdido a cabeça e desenbestado em invenções múltiplas e avant-guard, conquanto dançando na perfeição a música dos tempos com a antiguidade.
Sirvam de exemplo, logo de chofre, o Eye Filmmuseum e a Twenty A'dam Teren, na outra margem do Het Ij. Mas, nesse capítulo de cidade tão silenciosa - ouvem-se zunidos, são movimentos pedalados, veículos eléctricos, - um nada além descobrem-se outros hinos, de tantos destacando o Nemo Sciense Museum, verde das algas, inconfundível, entre os dias escuros de uma cidade assim distante dos dias latinos.
Ou - sempre na bitola dos edifícios postos entre o classissismo - o Movenpick Hotel, a cair pingue nas águas da Oosterdock...
Não obstante, Amsterdam guarda um lugar de eleição para os seus monumentos de outras eras. Os ditos clássicos, a maior parte deles de matriz religiosa, valem por si, quero dizer, os holandeses, não sendo já um povo de crenças profundas, nem de transcendências arreigadas, acendem-se votivamente ao Passado.
Por isso as torres sineiras, de venerandas igrejas, permanecem lançando as suas sombras nos canais onde o turismo circula em barcos mudos, quase roçando outros, habitados e marginados de casario único.
Um espanto! Uma maravilha, a descoberta de prédios, da mais perfeita geometria, pregados nas águas em absoluta verticalidade, gritando bem alto - carecemos de sol, oferecemos alternativas: o conforto (vou adivinhando...), a imagem, o remanso...
... e as melhores avenidas de comércio e lazer, como Damrack e um lote incomensurável delas. Amsterdam é proprietária de páginas e páginas de Humanidade medida por todos os ângulos das suas artérias. A História da cidade pertence sobretudo à da velha Europa e de todas as suas convulsões. Uma enciclopédia para prateleiras sem fim, repartidas pelos bocadinhos da imaginação de cada qual.
Até dos sabedores da Fauna. Falar em gaivotas seria irrisório. Acrescentar galeirões, mergulhões, gaivinas... ainda assim de somenos. Entre a multidão, uma gralha cinzenta dando os seus iniciais voos é uma pista segura para demonstrar como, naquele mundo, tudo não pode ser imprevisivel.