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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Um grande pescador

João-Afonso Machado, 11.10.20

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Vai lá quase meio século, com um brinquedo dele - uma cana e um carreto, estojo completo com outras artimanhas, - oferecido em aniversário recente, demos connosco nas Furnas da Ericeira. Eu, mais velho um pedaço, e já acanaviado, tomei o controlo das operações. Nesse fim de tarde, o anzol engatou uma taínha, bicho pequeno, ainda assim festejado como uma proeza.

Correram muitos anos e habitei a sua casa. Não alterei o rumo da brincadeira mas, quando dei conta, o meu Primo fazia da pesca o seu modo de vida. Quero dizer, vivia pescando, horas nocturnas, inexplicáveis,  e dormia sobre um tecto recoberto de artefactos, como se o forrasse um canavial para todas as modalidades respectivas.

Fosse no mar, fosse nos rios: sobrava-lhe ciência. Assim o meu entretém perdeu peso ante a sagacidade do meu Primo, tão mais novo, tão mais conhecedor da arte.

E eu já só ouvia, ouvia... Às vezes - porque era difícil - aprendia.

Em férias organizámos caldeiradas para a Família. Mas nunca mais pescámos juntos. O meu Primo fazia madrugadas a bordo de embarcações ignotas; comigo dois filhos menores, que me impossibilitavam a noitada... Daí as nossas tantas conversas feitas de relatos, vivências de um lado, sonhos do outro. Acrescentados pelos sucessos nos pesqueiros do litoral Oeste, ali tão perto, para mim tão distantes...

Mais a castigar, as suas incursões nortenhas, em que as trutas que o Primo empalmava pareciam bichos meus, a gargalharem do meu primarismo, bichos que o Primo me roubava...

A história prosseguiu com achigãs, lúcios, barbos portentosos, todos eles ludibriados pelo saber do Primo, inveja minha, ali a dois passos desses mesmos resultados...

Sucedeu... a partida do Primo. Desse meu querido Primo! Muito mais velho do que eu apenas em sabedoria piscatória. E, penso cá comigo, ele nada mais tinha a aprender e a ensinar, e por isso a sua hora final. Meu Primo - um enorme abraço de quem crê:  ainda hei muito de saber, ora hoje, ora um dia qualquer em que nos reencontremos.

No Paraíso, isso está escrito, as trutas nascem logo com mais de quilo e meio!...