Crime em Moscavide
O repórter ficou abalado pela notícia de última hora. Ao início da tarde, na Avenida de Moscavide, cinco disparos de pistola e uma morte. Que fosse averiguar e fazer a reportagem. O seu conhecido Tubarão, homem calejado nos desacatos da localidade, - pensou ele - dar-lhe-ia os informes. Partiu.
O cadáver jazia ainda na rua e o homicida fora entregue à Polícia, imobilizado pelos populares. A exaltação era geral e sobretudo feminina, ali, no coração de Moscavide. Muita gente de origem africana, mulheres carregadas de explicações, negras e esféricas, de corpo forte e vestindo garridamente. Predominavam os amarelos, rosas, os encarnados das touradas não longe. A gesticulação batucava, como os impropérios, uma gritaria infernal. Os vizinhos explicavam, cada um à sua maneira, a origem do conflito e o seu dramático desfecho.
Tudo se passara à velocidade da luz, sob a sombra de uma das raras árvores, esse orgulhoso monumento, na Capital do Churrasco. Mesmo defronte a uma churrasqueira.
Sente a maior dificuldade, o repórter, em condensar tantas vozes simultâneas e vingativas. Ele já conhece o pregão moscavidense de todos os dias. Tomou as suas notas.
E com a tarde a envelhecer procurou, enfim, o camarada Tubarão. Encontrou-o, é claro, em outra churrasqueira, em rua mais recatada, menos devorada pelo trânsito. - Então, meu caro, que história é esta? - Meu! - redarguiu o Tubarão, com um olhar batido em tais merdas, - A cegada do costume. Desentenderam-se e o velhadas tinha uma pistola, mas não prá colecção...
Disse nada mais. Apenas mandou uma bisga ao chão, acendeu o cigarro e fumou-o, numa sande de imperial com coxinhas de codorniz. A trapaceirice dos árbitros do futebol voltou à tona. Moscavide adormecia, já desmemoriada de mais uns tiros. Apenas se mantinha acordada a Capital do Churrasco.