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Fui a Baião, mantendo o ritual de, na A4, atravessar a serra de Valongo em chamas. Como dispenso o ar condicionado, de janelas do carro abertas para arejar lá me sujeitei a um belo pedaço de fumo nas narinas, no corpo inteiro. É a época da romaria dos incêndios, assim será sempre, não há pandemia que lhe imponha o confinamento.
Enfim, Baião também esturricava, mas de puro calor ambiental. Felizmente o restaurante era amplo e fresco, os filetes de pescada óptimos e o branco da casa condizia com eles, espertíssimo, muito refrigerado. Verde, claro, note-se Baião ainda é Minho, ainda é da nossa Região Demarcada, mesmo que nos confins desta Província de eleição. Conquanto muitos o queiram já no Douro (dizia-me um homem de lá de Baião, até ao Douro vão mais cinco ou seis graus centígrados…), só porque em Lisboa o incluíram no distrito do Porto. O mesmo seria dizer, Cabeceiras e Celorico são Minho e Mondim é Trás-os-Montes, quando tudo é Basto e outra vez vinho verde…
Desci aos fundos do vale do rio Ovil. Cercado de granito (lá está, ali não topamos manifestações xistosas...), em plena Rota do Românico, naquela baixa rondando os 40º, uma pingadeira, uma sauna autêntica. Consegui, ainda assim, regressar a Famalicão, onde idêntico programa me aguardava. Pela noite fora…
Não fosse começar já a transpirar, aproveitaria para recordar com saudade as vagas de frio, a minha samarra, a mantinha nos pés. Mas, por amor de Deus, tragam a ventoinha, a vaga é, insuportavelmente, de calor – sem termo à vista. A sul, a rapaziada marimba-se no Covid19 e ruma aos magotes as praias. Por aqui, procura-se um nico de sombra e de aragem em qualquer bosque que, por acaso, não esteja a arder. Ou então, fecham-se as persianas, as vidraças e aguarda-se a chegada das estrelas para pôr o nariz fora de casa. Até lá, guiados pelo instinto, de liana em liana, corredor fora, por sucessivos copos de água na cozinha. Ou na nascente, como queiram.
Mas, em boa verdade, não será caso para dramatizar. A vaga de calor, dentro do bunker de cada um, é boa conselheira da leitura e da escrita, de qualquer filme que valha a pena. No pesado silêncio da canícula, as ideias às vezes chegam às conclusões. O trajar caseiro tropicaliza-se, a tanga transporta-nos aos Havais da nossa imaginação. E cessa a proibição de pôr os pés em cima do sofá. O panorama caminha aceleradamente para a descontração carioca, oh areais de Copacabana!
Somente, a vaga de calor leva-nos mais lesta o ânimo. Triste serão o de sábado, com o Famalicão de vitória já no bolso, a ceder um empate ao Boavista... São noites pior dormidas, uma tristeza que se abate sobre nós com o termómetro a fazer pressão, maldoso, e a gente sem posição, sem sono, sem vontade, com nada!
Por todo o Parque da Devesa, o olhar comprometido da ausência quase geral. Julho já cheirando vagamente ao seu estertor. Agosto a caminho. Quem irá para fora? Poucos, decerto. Mas, sendo o mês das nortadas, que ao menos a vaga de calor se ponha a andar para longe. Em Setembro? Nos tempos que correm tanto pode nevar como, uma vez por todas, frigirem os nossos miolos.
(Da rúbrica Ouvi nas caminhetas, in Opinião Pública de 22.JUL.2020)