Fui e vim. De Chaves a Faro, pelo interior do País. Quase diria, através de um outro país, tão mais calmo, tão mais saudável. Foram seis cansativos dias de estrada que muito valeram a pena.
Curiosíssimo o culto, sempre crescente, em torno do marco do km 0 do percurso, em Chaves. Já com direito a uma rotunda só para ele. O mesmo acontece em Faro, no meco do km 738, igualmente venerado num altarzinho, um espaço em calçada de calcário, com o número célebre a negro gigantesco no chão. E, ao lado, o restaurante, as sardinhas esplendidamente assadas, o repouso após a travessia.
Por toda a estrada percorrida bem se notavam as viaturas equipadas para esta “chegadela” ao fim do mundo; e, sobretudo, dezenas e dezenas de grupos de motards, quer para norte, quer para sul, firmando a natureza turística da EN2, cativando já as atenções dos comerciantes locais.
No Pedrogão Pequeno, por exemplo, muito lá no fundo da Beira, o hotel “era deles”. De uma quantidade incontável de motas de grande cilindrada, estacionadas no seu parque. Aquilo era bando internacional, romaria maior do que a da Senhora da Agonia.
Claro que este roteiro, este passeio, não é só estrada. A estrada será mesmo o de menor importância, recordando tanta terrinha onde parei, peguei na máquina fotográfica e me entretive umas horas conhecendo ou reconhecendo.
Assim aconteceram momentos, às vezes pormenorzinhos, que me encheram e me fizeram sentir tão distante do quotidiano, Referiria, para ilustrar, as bôlas de Lamego, as vistas do Douro, os filetes de polvo de Tondela… A maravilha que é a pequena, esquecida, vila de Góis; as belezas de Castelo de Vide e os pintassilgos dos seus jardins. E fico-me por aqui, dispensando comentários acerca da imensidão alentejana, a travessia do mundo perdido que é a serra do Caldeirão, a marcar a fronteira com o Reino dos Algarves.
Prosseguirei retornando a Castelo de Vide e aos seus pintassilgos. Um dos mais alegres e coloridos pássaros canoros, uma maravilha por lá tão frequente quanto por estas bandas o nosso pardal. Foi essa a minha imediata comparação, uma lástima!, afortunadas as terreolas apintassilgadas.
E havia-os cá. Recordo sempre a minha Avó referindo os pintassilgos, a sua mescla de negro, amarelos e vermelhos, a arte de os apanhar vivos com visco – uma espécie de cola espalhada nos ramitos das árvores onde poisavam, e já não levantavam voo, agarrados àquele grude. Depois, o seu destino era a gaiola e o dever de trinar até envergonhar os canários.
Outros tempos. Engaiolá-los seria uma maldade. Gozá-los à solta, nos nossos espaços arborizados, um privilégio. Lembro também um falecido vizinho dos meus tempos no Porto, em plena cidade apanhando-os com redes quase invisíveis que embatucavam o seu voar. Depois, era dinheiro contado a sua venda ou a dos “traçados”, os filhos dos amores entre canários e pintassilgos.
Continuo na minha: para nada disso eu os queria cá. Queria-os somente para os ouvir, os fotografar, os apreciar, fosse na Praça 9 de Abril, fosse em Sinçães, acima de tudo houvesse-os na Devesa, com a todas as condições de sossego, alimentação e reprodução. Famalicão, a capital nortenha do pintassilgo! Além dos têxteis, a riqueza minhota única dos pintassilgos.
Hei de consultar os entendidos. Mas estou em crer, umas dezenas deles soltos na Devesa tornariam a nossa terra muito mais vistosa e cantante. Com passarinhos do tamanho de um badego, mas imensamente mais bonitos. Que nem uns loucos de volta das sementes de girassol – outra componente de cenário à maneira… – agora que a polícia apreende as fisgas e puxa as orelhas à catraiada sua detentora…
(Da rúbrica Ouvi nas caminhetas in Opinião Pública de 25.JUL.2020)