"Lá longe, ao cair da tarde"
Dos mais bonitos poemas e cantares do fado de Coimbra (e não venham com histórias, Coimbra tem o seu fado, o dos estudantes, - estudantes há muitos..., é por isso mesmo, - como só na Lusa Atenas podia ser fabricado), um desses mais bonitos poemas e cantares, dizia, está nas estrofes que se seguem, sendo que desconheço a autoria desta proeza escrita e pautada:
Lá longe, ao cair da tarde,
Vejo as nuvens de oiro
Que são os teus cabelos
Fico mudo ao vê-los,
São o meu tesoiro,
Lá longe, ao cair da tarde.
E vou lembrando aparições, no tom prolongado do fado, serenas aparições de gamos em pastos domésticos a cortarem-me as palavras, quase acreditando em divindades da Antiguidade greco-romana.
Se calhar na avidez de uma vida diferente, anacrónica. Onde o que é impossível não seria. Num ocaso inesquecível, o início de uma nova era:
Lá longe, ao cair da tarde,
Quando a saudade
se esvai ao sol poente
Como canção dolente
De uma mocidade,
Lá longe, ao cair da tarde.
Seria o retorno de andanças antigas. E a paz do olhar da mulher mais bonita.
(Passeiam-se meninas lindíssimas, namoradeiras, nesta vista tão vesga, voltaria ao namoro delas as vezes que fosse preciso.)
E ao resto, seriam caminhadas, espingardas, os cães e o pão e chouriço, o vinho mais a água da fonte. (Uma fonte, ambrosia!) Seria outro planeta, ou este começado do início. Mas seriam pessoas, animais, a pureza do ser, o ameno regresso a casa e antes a benção do Reverendo Abade a ofertar a mesa, chá e torradas, ladrilhos de marmelada. Tudo "derivado" (como sempre escreve Lobo Antunes) ao gamo, jovem mas já a querer pôr-se nas burras, o malandro.
Lá longe, ao cair da tarde...