"Vai ser já"
Mandam os dias em ponto grande, a renderem muito, e o calor que faz, é tempo de férias. Pode até não ter sido ainda declarado aberto o período oficial de banhos, mas as férias não são só praia. Muito menos Julho, Agosto ou Setembro, apenas.
De resto, vamos percebendo, este ano as férias balneares, hão de nos infernizar mais do que uma ida aos Correios (desculpem-me as meninas da agência famalicense, sempre simpatiquíssimas). Será também, com certeza, necessário tirar um ticket para mergulhar nas ondas. As mães, acompanhadas dos respectivos filhos, terão preferência. Os cavalheiros de antigamente cederão o seu lugar às senhoras… Com tudo isto, sabendo que se quer o distanciamento entre as pessoas, não me sai da ideia os magotes de laranjas da Carris circulando mar fora.
Quanto a praia, este ano, só esporadicamente, aqui perto, e se surgir alguém comigo, à pesca de um peixito grelhado – e não besuntado de gel.
No mais, conduzir-me-ei ao estatuto de monge tibetano famalicense. Recolhido à minha cela, meditativo, contemplativo. As férias são um bom momento para ouvir, cheirar, sentir, a rebaldaria do mundo lá longe. Para revisitar os cantos da casa, aprender a dar nota do reanimar da cidade. Isto tudo, claro, se a cidade sair para férias. O que deverá acontecer a pequena escala, salvo fugazes escapatórias ao tal peixe grelhado. Ainda assim, prevendo-se um verão muito quente, as pessoas andarão recolhidas, mortiças, e não seria má ideia esta fase final da I Liga de futebol fosse transmitida em canal aberto. Ou então, convide-se o Dalai Lama – e meditemos, contemplemos todos.
Ocorre-me, entretanto, não haverá descanso para grande parte dos que tentam evitar o País entre no caos económico. É um pouco nesta ordem de ideias que organizei os breves dias da minha ausência. Já em Junho, correndo adiante de multidões munidas de tickets, e por caminhos delas pouco conhecidos.
Quais sejam esses caminhos, é o que contarei, em pormenor, no meu regresso. Direi apenas, são rotas estritamente nacionais. Nem um pezinho no mar nem, tão-pouco, do outro lado da fronteira.
Os preços, à míngua de procura, estão muito bons. Continua a assistir-se a uma vaga grande de estabelecimentos que não reabriram, não viram condições para tal. Os apostados na aventura merecem o apoio que cada um de nós lhes possa prestar. Ir, almoçar e jantar, dormir e prosseguir. É dinheiro que não sai de Portugal, por cá girará, de estalajadeiro para o merceeiro ou o carniceiro, e destes para a senhora florista… E por onde passar, esse dinheiro (não os meus parcos cêntimos, é óbvio), animará o comércio, fomentará as transacções.
Em suma, fazer férias cá dentro. Não transmitindo o segredo à estrangeirada, é deixá-los vir, de saúde enxuta.
Eles são, de resto, os primeiros a reconhecer os encantos de Portugal. Dos quais, insisto, ainda haverá um capítulo seguinte. Delineei o rumo, parto entusiasmado.
(Da rúbrica Ouvi nas caminhetas, in Opinião Pública de 28.MAI.2020)