"Pertinentes questões, justas preocupações"
Neste inédito viver, continuo pensando como será amanhã. Percebe-se, a transição do “estado de emergência” para o de “calamidade pública” significa apenas um vago arejo das pessoas e a abertura dos jardins de infância; mais – e sobretudo - o regresso de muitos à vida profissional – porque sobre a doença vai reinando o pavor dos governantes quanto ao drama fatal que atinge a economia nacional. Já alguém se lembrou das discussões políticas, lá para o Outono, da troca de acusações entre os políticos, acerca do que é, ou não é, a austeridade?
Entretanto, chegarão as férias. O Império (quase Inca) do Sol. Interrogo-me – o que serão férias em situação de pandemia? E as nossas praias? – rigorosos desenhos geométricos de toalhas estendidas à distância de dois metros cada uma das demais que as rodeiam?
Essa fotografia, via aérea, não seria uma praia – antes uma parada militar, digo eu. E depois a nossa costa é longa, longuíssima de uns 800 quilómetros. Com expoentes de muita concentração de veraneantes, em que a vigilância será tão fácil quão difícil (oficiais não faltarão, mas os bastantes para manter o bivaque?...); e com vastas manchas fora de controlo, onde o banhista espertalhão buscará refúgio, para si e para a namorada e, no auge da euforia, desafiando entusiasticamente todo o grupo de amigos.
Ocorre-me, por exemplo, o infindo areal entre a Figueira da Fiz e a praia do Pedrogão. Conheço razoavelmente bem a região, caminhos através de pinhais que levam às dunas, o aprazível selvático de praias pouco ou nada frequentadas. Esquecendo, é óbvio, os perigos de um mar traiçoeiríssimo e não vigiado. Enfim…
De tudo resulta um plano que se constrói alicerçado numa vilegiatura famalicense. Deixando o sol na sua santa paz e indo acordar a sombra, a pedir-lhe um pouco de frescura. A colecionar recantos em que ao silêncio – isto é: à ausência de gentes – se junta a necessária dose de beleza e de natureza.
Talvez não seja muito fácil o empreendimento. Mas o mundo roubou-nos todos os lugares para onde ir descansadamente. Sobretudo depois das fronteiras – diga-se o que se quiser, mas as estatísticas da pandemia em Portugal são ainda suportáveis face às hecatombes diariamente conhecidas por toda a Europa fora.
Cá dentro, restaria então o Interior mais recôndito. Indo ao mapa da incidência do Covid19, ainda topamos alguns concelhos desinfectos. Nas cercanias da serra da Estrela, nos desertos e planaltos da Idanha… Mas os nativos respectivos, nesta fase do campeonato, decerto dispensam a nossa visita. O dinheiro não é tudo, nem compra a Saúde onde ela não dispõe de meios para ser administrada.
Caso bicudo, pois. Mas sem umas voltinhas, sem umas imagens bonitas, sem movimento, como entender o mundo e a vida?
Tem a palavra Famalicão. Mais alta a sua voz do que todos os desmandos urbanísticos de décadas praticados em tão minhoto concelho. Ouvi nas caminhetas, Agosto há de ser um merendeiro prolongado sobre os arvoredo dos santuários…
(Da rúbrica Ouvi nas caminhetas, in Opinião Pública de 30.ABR.2020)