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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

"Pertinentes questões, justas preocupações"

João-Afonso Machado, 30.04.20

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Neste inédito viver, continuo pensando como será amanhã. Percebe-se, a transição do “estado de emergência” para o de “calamidade pública” significa apenas um vago arejo das pessoas e a abertura dos jardins de infância; mais – e sobretudo -  o regresso de muitos à vida profissional – porque sobre a doença vai reinando o pavor dos governantes quanto ao drama fatal que atinge a economia nacional. Já alguém se lembrou das discussões políticas, lá para o Outono, da troca de acusações entre os políticos, acerca do que é, ou não é, a austeridade?

Entretanto, chegarão as férias. O Império (quase Inca) do Sol. Interrogo-me – o que serão férias em situação de pandemia? E as nossas praias? – rigorosos desenhos geométricos de toalhas estendidas à distância de dois metros cada uma das demais que as rodeiam?

Essa fotografia, via aérea, não seria uma praia – antes uma parada militar, digo eu. E depois a nossa costa é longa, longuíssima de uns 800 quilómetros. Com expoentes de muita concentração de veraneantes, em que a vigilância será tão fácil quão difícil (oficiais não faltarão, mas os bastantes para manter o bivaque?...); e com vastas manchas fora de controlo, onde o banhista espertalhão buscará refúgio, para si e para a namorada e, no auge da euforia, desafiando entusiasticamente todo o grupo de amigos.

Ocorre-me, por exemplo, o infindo areal entre a Figueira da Fiz e a praia do Pedrogão. Conheço razoavelmente bem a região, caminhos através de pinhais que levam às dunas, o aprazível selvático de praias pouco ou nada frequentadas. Esquecendo, é óbvio, os perigos de um mar traiçoeiríssimo e não vigiado. Enfim…

De tudo resulta um plano que se constrói alicerçado numa vilegiatura famalicense. Deixando o sol na sua santa paz e indo acordar a sombra, a pedir-lhe um pouco de frescura. A colecionar recantos em que ao silêncio – isto é: à ausência de gentes – se junta a necessária dose de beleza e de natureza.

Talvez não seja muito fácil o empreendimento. Mas o mundo roubou-nos todos os lugares para onde ir descansadamente. Sobretudo depois das fronteiras – diga-se o que se quiser, mas as estatísticas da pandemia em Portugal são ainda suportáveis face às hecatombes diariamente conhecidas por toda a Europa fora.

Cá dentro, restaria então o Interior mais recôndito. Indo ao mapa da incidência do Covid19, ainda topamos alguns concelhos desinfectos. Nas cercanias da serra da Estrela, nos desertos e planaltos da Idanha… Mas os nativos respectivos, nesta fase do campeonato, decerto dispensam a nossa visita. O dinheiro não é tudo, nem compra a Saúde onde ela não dispõe de meios para ser administrada.

Caso bicudo, pois. Mas sem umas voltinhas, sem umas imagens bonitas, sem movimento, como entender o mundo e a vida?

Tem a palavra Famalicão. Mais alta a sua voz do que todos os desmandos urbanísticos de décadas praticados em tão minhoto concelho. Ouvi nas caminhetas, Agosto há de ser um merendeiro prolongado sobre os arvoredo dos santuários…

 

(Da rúbrica Ouvi nas caminhetas, in Opinião Pública de 30.ABR.2020)

 

 

Um passar de olhos sobre o Porto

João-Afonso Machado, 28.04.20

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Lá fui hoje à Invicta, entregar uns papeis urgentes e, felizmente, não interceptados pelas forças da ordem. Fui, devo reconhecer, atestado de curiosidade: como iria reencontrar o meu poiso de trinta anos, entre estudos e vida profissional?

Pois sempre direi, dei de caras com um Porto soalheiro, o trânsito reduzidíssimo, um Porto de Agosto adiantado e dengoso, sem a maldita praga dos turistas. Um Porto acolhedor e muito mascarado nas ruas.

(Um Porto este ano não são-joaneiro: uma fatalidade para os tripeiros, uma felicidade minha se, então, por lá me encontrasse... Isso sim, isso para eles é que é a catástrofe)

Como quer que seja, um Porto activo. De sentinela, mas sem que lhe tremessem as pernas. É, certamente, de justiça pensar nos quantos cercos o Porto já passou (todos eles trazendo consigo o sofrimento dos canhões e das doenças e da fome...), na calamitosa passagem de Soult vindo do Norte, no claro e orgulhoso sentido das estátuas que adornam o obelisco da Rotunda da Boavista. Na igreja de costume, um velório: pouco participantes, quase todos de máscara, um instante de dor à vista, os nossos dias são assim, o destino também, encaremo-lo, creiamos.

Naturalmente, os portuenses previnem-se e defendem-se. Mas a vida continua e os sorrisos - francos, não o esconderijo de qualquer ideia esquiva - e a firmeza da fala também. Constatei-o hoje, no trato com as pessoas a quem me dirigi. Cá vamos! - revigoravam-se; - A ver no que isto dá...

"Isto" era a doença. De que qualquer normal humano tem medo. Mas doenças surgem para que lutemos contra elas, perdendo ou ganhando; jamais para que nos escondamos atrás delas, miando pretextos choramingados para a paralisia da vontade, para a suspensão da existência.

 

Tragédia no Sahara

João-Afonso Machado, 26.04.20

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As praias portuguesas este ano vão andar excessivamente regimentais. Os banheiros (agora galardoados em nadadores-salvadores) de fita métrica a medir a distância da minha toalha à de qualquer simpática cinquentona... De modo algum! E pensando numa Europa toda igualmente profilática e maçadora, ocorreram-me outros areais  alternativos de veraneio. O Sahara, por exemplo: os seus oásis, as tâmaras, saltitantes roedores, o entorpecente andar dos dromedários, noites inteiras de boites e dança do ventre... Fui até lá, em missão de reconhecimento.

Mas grande se afigurou a desilusão. Logo na abordagem do primeiro oásis (a lembrar um pouco as nossas ETAR's, achei), à vista de umas pedras a fritarem ao sol, uma família de caracois, esses velhos conhecidos de outras lutas. Aproximei-me, na ânsia de entabular conversa. De máscara, é claro, no Sahara toda a gente as usa. E os caracois suspeitosamente quietinhos, silenciosos, talvez não dominassem o dialecto local, caracois acanhados, conclui, quiçá caracois pocaricenses.

Na realidade - crudelíssima realidade! - apenas caracois mortos de recente data. A família toda. Infelizes! Apanhados em cheio pela inclemência do sol.

Pensei telegrafar para a Pocariça, transmitindo a fatalidade. Já as formigas pairavam em circulos funestos, agoirentas e necrófagas, sobre os cadáveres. Sustive a mensagem. Poderiam as vítimas ser refugiados oriundos de outras misérias. E na Pocariça seria o pânico, os de lá estão todos confinados, como iriam efectuar a conferência dos seus cativos?

O tempo tudo explicará. Mas aqueles gasterópodes sucumbidos à insolação, pais e filhos, pasto de vis himenópteros, impressionou-me, revoltou-me. E apanhei a camioneta para o turismo de montanha, agora esperançoso em répteis e aves.

 

Machado, Fm

João-Afonso Machado, 25.04.20

São muitos anos a ouvir Leonard Cohen. Susanas, Marianas, birds on the wire... Já mais velho, decidiu-se pela valsa e, septuagenário, levou-a mundo fora. Emocionante!!! - emocionante ouvi-lo, apresentar a sua banda, ver o seu chapéu aos pés dos músicos, homens batidos na arte de tocar bem. (Aguento uma cotovelada, decerto pelo meu olhar fixo no coral feminino - a negrinha Sharon Robinson encanta-me...)

O idoso canta, o mundo ouve. «Now in Vienna there's pretty women/There's a shoulder where Death comes to cry/(...)/There's a tree where groves comes to die/There's a piece that was torn form the morning/(...)/Ay, ay, ay, ay/Thake this waltz, thake this waltz/(...)».

Apanhei a valsa para todo o sempre. No orgulho da guitarra portuguesa de doze cordas nas mãos de um catalão. Danço-a everyday...

E passei por Manchester, a caminho de Northumberland, vão lá uns anos. Esse foi o ponto alto do baile, a valsa é uma dança única, virtuosa, da maior selecção. Comigo, então, a única pessoa com quem verdadeiramente a dancei. Até à eternidade do passado e do presente, desconfio, do futuro também. Dizendo-lhe de uma voz só - Take this waltz! Leonard Cohen andaria por perto...

«Oh I Want you, I want you, I want you/On a chair whit a dead magazine/In the cape with at tip of the lily/ In same allways where love's never been/On a bed where the moon has been sweating/(...)/ Ay, ay, ay, ay/Thake this waltz, thake this waltz/Take its broken waist in your hand/(...).

Assim uma vida que me enche e valsa em momentos que não morrem. (E quão graciosa e oportuna, traquina, a saída saltaricada do palco ensaiada por Cohen!!!)

 

"Do meu outro ofício"

João-Afonso Machado, 23.04.20

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Lembro-me ido moleiro, negro gorro enfarinhado,

o cigarrito chupado, amolecido, ao voraz quelho cuspido.

 

Lembro o dia inteiro de mais não se faz

senão despejar o saco serapilheiro

 

e as horas más da minha – só minha – camioneta

com que vinha, na sua tosse infecta, à moenda

ataviado de trigo

 

à mó lançado, e era pó

no regresso à minha Marieta (velha maquineta…)

o que trazia comigo.

 

Lembro as levadas, copiosas águas,

tantas passadas horas,

lembro enguias, quando não cobras frias

a silvar em tardes já de amoras.

 

Mas lembro sobretudo as mágoas

de quando o trigo desapareceu

e a serapilheira rompeu…

 

Foi então que a minha camioneta,

saudosa Marieta velha maquineta,

não mais gingou,

uma dor derradeira – e expirou.

 

 

Ceuta, oito anos depois

João-Afonso Machado, 21.04.20

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A leitura recente de Afonso Lopes Vieira (Onde a terra se acaba e o mar começa), a páginas tantas (Quatro cantares), alvoroçou-me a memória: «No altar da catedral/Nossa Senhora de África cismava/ vestida à sevilhana - e suspirava/por Portugal.»

Em Ceuta, o dote de uma infanta portuguesa no seu casamento com um rei espanhol.

Lá fomos, um lusitaníssimo grupo viajando de camioneta de Lisboa a Algeciras, indo por Évora, pelo Algarve... A levar-nos aos limites do cansaço, a epopeia! Embora com os mais picarescos episódios pelo meio: os auto-flagelados penitentes, deitados no corredor do autocarro de barriga para baixo; a freira brasileira que não o era (descobri eu) porque freira não usa saia a realçar os contornos da bunda, freia esconde-se dentro de ampla veste - e esta, para mais, invectivava à oração do terço a clamar por «Jesú!», «Jesú!», como se estivéssemos no antigo cinema Império; e o desespero do motorista, quase a enlouquecer perante tão repetidas infracções das normas de viagem.

A emoção da travessia do Estreito! África! A curiosidade suscitada por qualquer cantinho deste tímido início do continente...

O brasão de Ceuta, igual ao de Lisboa, com as armas e a coroa reais portuguesas sobre o todo! Onde quer que houvesse um pretexto para estarem lá.

Connosco seguia uma imagem, esculpida em madeira, de S. Nuno de Santa Maria, a ser ofertada à primeira das praças que conquistámos para lá da Europa. E ainda então, no altar-mor da sua Igreja, permanecia Nossa Senhora de África, destemida designação e olhar de fé postos no sul tórrido e desconhecido. «Vestida à sevilhana a suspirar por Portugal», claramente. Momentos que ficam para sempre...

Como, infelizmente, o da bandeira rubro-verde no andor do nosso préstito! Vi, e fui reclamar com o sacerdote português, monárquico de gema. - É preciso ter paciência e diplomacia, Pindela... - aplacava ele. Não era! E eu guinei para a minha vida, eu e o meu mundo sozinhos em Ceuta, a cheira-la, a senti-la, ainda vivo o brasão com as armas e a coroa do meu Reino.

 

Imposições da minha amiga

João-Afonso Machado, 18.04.20

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Há dias em que a coisa rende e a gente volta para casa com o cacifo e a alma cheios. Uma garça branca e um pato real vivinhos, para despejar na mesa da sala e gastar neles os olhos e as ideias. E se os cozinhasse numa fábula? A garça muito condimentada de realeza e castidade, o pato mais com as cores festivas de um cortesão. Depois fervilharia o diálogo. Possivelmente sobre os estragos causados pelo vírus lagostim... Ou então acerca da carestia dos víveres, quando não, um certo abuso territorial - Vai-te embora! - exclamaria o pato, - Isto é do meu pasto. - E a garça replicaria - Silêncio sostra! Aí sentado, à espera de bicho que passe no nariz do teu bico!...

Mais formulações seriam possíveis: como a do pato encantado, a namorá-la, a garça cocotte a chamar-lhe "baixinho", e que o seu pai nunca consentiria, anatídeo vulgar, havia de troçar e fechar-lhe a porta...

Tudo, disse, se a caneta me levasse para os caminhos de La Fontaine. Mas não. Ela (a caneta), muito sóbria segue somente os ditames do olhar, o vero conselheiro das imagens incomuns. Por isso me ordena, sem pena nem agravo: cala-te!...

... - E vai buscar mais...

 

Luís Sepúlveda

João-Afonso Machado, 17.04.20

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Devo dizer, quando das minhas estadias nas Astúrias, jamais pensei Luís Sepúlveda residisse em Gijon. Cidade onde fui recebido com magnificência e mesa farta, entre cidra sempre diante mim e os melhores enchidos da terra, afora petiscos diversos - um fartote. Fizeram-me orador, presentearam-me, frequentei o Teatro Jovellanos; e nele, olhando as senhoras em redor, senti-me viajar aos Anos 30 do último século - dos quais estive ausente, pelo menos nesta encarnação - tanto o baton, os descoroçoantes penteados, os tailleurs (é assim que se diz, não é?).

Gijon é uma cidade de inesquecível amizade. Por isso compreendo Luís Sepúlveda, pelos vistos ali radicado há décadas. Soubesse eu..., teria mexido os cordelinhos para um autógrafo... De um grande escritor, como todos os que nascem na América do Sul de Esquerda e saudoso dos Pinochets que lhes alimentavam a inspiração. Não interessa. A sua obra tem picos - e planaltos... - das melhores palavras conjugadas.

Morreu agora, no termo de dois meses de combate contra a nova doença, o Covid19.

A gente há de liquidá-la, por ele e por tantas centenas de milhar de vítimas. O vírus foi o Pinochet de Sepúlveda. Lutemos por isso. Entre esta verborreia toda, ocorre-me um conselho de alguém ao seu principal personagem no Diário de um Killer sentimental - «Não é que tenhas cometidos erros de mais: cometeste-os todos. Suponho que se deve ao cansaço, ao stress, ou lá como agora lhe chamam. É um aviso que te aconselha a reforma».

A transcrição é fidelíssima, incluindo o itálico. Sepúlveda é um clássico, portanto. O Tempo, nunca a seguraremos a não ser com a Eternidade. Chegou a vez de Luís Sepúlveda fazer essa prova.

 

Major Sal e a trégua pascal

João-Afonso Machado, 14.04.20

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O Royal Warwickshire Regiment combatia com toda a bravura. Varria, dizimava com a sua artilharia de campanha aquela infecta mescla tribal. Major Sal rejubilava com a disciplina dos seus comandados e a sua audácia. Porém, num breve intervalo entre tantas emboscadas, em pleno campo fortificado, topou o pequeno antílope negro, mascote do Regimento. E ocorreu-lhe:

- Bloody Hell! It´s the Easter in Portugal!

Como que logo aspirou inauditos aromas. Chorou our dear Spring, as glicínias, all the lovely catholic costums. E a sua boa mesa também.

Houve quem afirmasse depois, caiu de tal jeito que o sabre se lhe espetou no rabo. Por cá, naturalmente, ninguém manifestou curiosidade pelas suas nádegas. Nem comentou a sua versão, algo diferente, envolvendo uma traiçoeira cutilada indígena. Apenas se lhe satisfez o apetite.

E Major Sal, enfastiado de tanto carneiro cozido bordejado por couve branca, também cozida, sem sal, tudo cozido sem sal, apenas com os secularmente maçadores molhos britânicos, - algo que ele se confessava muito baixinho no fundo da alma, temendo a despromoção, o pelotão de fuzilamento - Major Sal, faminto, sequioso, hipnotizado, capaz até de devorar Mrs. Felismaina, sentou à mesa, esqueceu o Ui! da praxe no contacto do ferimento com a cadeira, e rugiu, rasgou carnes e mastigou, mastigou, mastigou, tudo o que lhe puseram à frente: o cabrito assado com batatinhas (fora o bichinho que o trouxera lá dos longes orientais...), lots of cakes,

(- White cakes! Delicious! Thanks a lot!)

e no fim, after coffee, o pãozinho-de-ló e um wonderful vintage que Major Sal recebeu com um

-My God!!!

incapaz de articular outro dito qualquer.

Sentado na varanda ao sol ameno das Páscoas portuguesas, o frasco de cristal no chão, uma mão eterna no cálice e a outra às unhadas ao pão-de-ló, assim se deixou ficar a tarde inteira. Debalde lhe contaram a história das sopinhas deste doce embebido naquele néctar atiradas pelos frades lóios à populaça, aquando das forcas na Praça Nova do Porto. Dormia já profundamente...

Ao dia seguinte, depois de incontáveis pedidos de copos de água, despediu-se com emoção: que partia para uma morte gloriosa levando consigo Portugal no coração.

- Então até para o ano, Meidjor!

- Up for te year, fellows!

 

Dois anos...

João-Afonso Machado, 11.04.20

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Em boa verdade, a ideia não entusiasmou especialmente o Pai. Mas lá se organizou um ataque aos coelhos, com alguma Família, pouca, e uns caçadores locais, amigos, que trouxeram a matilha. Não correu mal e o lanche que se seguiu foi de arromba.

Muito novo, ainda, o Pai se apaixonou pela caça. Até que em 1976, subitamente, por razões que julgo conhecer, pôs de lado a espingarda. E só voltou a pegar nela neste desbaste aos daninhos láparos, que em multidão atacavam as culturas. Em 1993, a última vez que atirámos juntos e pendurámos ambos uns bichitos à cinta.

O tempo passa muito depressa. Faz hoje dois anos, parou para o Pai. Sentirmo-nos órfãos é olharmos para trás e aguentar o peso que são os nossos filhos e netos (quem os tiver) a mirar-nos o branco das barbas e do cabelo. É o relógio a empurrar-nos para a geração do topo.

E são as saudades, a irremediável dor de já nada poder emendar. Mas, na verdade, é também um medo que se perde, porque a morte significará sempre um reencontro. De certeza, o Pai está numa eternidade de coelhos e perdizes, seu qualquer necessidade de renovar licenças e seguros. Está feliz, com a Mãe, repetindo e voltando a repetir a célebre viagem de núpcias caçando nas Astúrias.

 

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