Assim decorre a semana no Café S. Paulo – pelo finar da tarde, na mesa do fundo, uns após os outros, os veteranos vão chegando. Agora, em pleno inverno, bem embrulhados, quase embuçados. A pedir um café, umas águas, a cervejita da praxe. E breve se iniciam os debates sobre os mais altos desígnios da Pátria.
São múltiplas as discordâncias, mais evidenciadas entre as amplas e galvanizadas hostes benfiquistas e sportinguistas. O azul e branco famalicense é veneradamente respeitado, tanto quanto a bandeira nacional, com as mesmas cores, pelos espíritos mais preocupados com o futuro português; enfim, por nós, os visionários, acrescentaria.
Já o reduto portista, manifestamente, vai perdendo força. Talvez – mercê da tal visão de futuro – porque seja perceptível que outros Duartes de Almeida (os de cá) carregam com heroicidade e os dentes bem cerrados o dito pendão real.
Mas nem tudo são assuntos sérios. A galhofa política é também muito praticada, na forma de quase toda a artilharia apontada aos órgãos de Estado, presentemente muito semelhantes aos de Stalin. Mesmo porque ali ninguém tira selfies, sequer nas frequentes incursões gastronómicas pelas redondezas – mesmo nesse denodado desbravar dos sabores mais sertanejos, mesmo então, é o indígena dono da casa de pasto que usualmente fotografa o emérito grupo de sábios à mesa.
Este é recorrente fazer-se acompanhar, quer nas suas lições, quer nas suas explorações, por um escriba, rapazito novo ainda de pulso firme e letra rápida.
Voltando à vertente lúdica desta gente quase subjugada ao peso fatal de um País sem juízo, acerca do Governo estamos conversados. E com frequência, em voz bem alta, vernácula e bem vicentina, ouve-se lá fora de quem são filhos os membros do Executivo.
O Sr. Luís, o dono do café, sempre atencioso, disponível e inteiramente respeitador de todos, mesmo das mais ousadas teses sobre o derrube do Poder. Um amigo, um grande democrata. Um deputado dos bons em potência – pouco dado a retóricas, muito mais aos afazeres do quotidiano.
Por isso a contundência com que o Parlamento é varrido a espanador neste supra-constitucional tribunal de famalicenses. Um autêntico berço da revolução nacional! Por razões óbvias, a principal das quais em dever ser no S. Paulo que se instalaria o poder legislativo. Por exemplo, no tocante à reforma do funcionalismo público; por exemplo no que respeito diz aos engulhos fiscais que apunhalam a generalidade dos portugueses sem, ao menos, em troca, um razoável prazo de espera para uma cirurgia.
O mais das abordagens versam muito as novidades trazidas pelas caminhetas. Pequenas locais – literalmente pequenas locais, ou então nativas ocorrências, alegres ou tristes a valerem um juízo, um comentário. (Há sempre, a propósito, um dito em língua morta, grego ou latim, que não alcanço, mas faz de conta…) Mesmo tratando-se de histórias antigas, dos idos em que Famalicão não conquistara um lugar no pódio da Liga maior, ou da Vila não sabiam tudo apenas os que o Senhor ia chamando à Sua presença.
É bom provar sabores de bolo-rei que já não se fabricam ou são ideias do que se podia fabricar. Aventuras antigas partilhadas entre gargalhadas… Enfim, aventuras vividas com alguns patifórios cujo nome da mãe, num brado trovejante, é ouvido lá fora na rua. Com a assembleia a gargalhar e uma ideia vivaça a combinar o amanhã.
(Da rúbrica Ouvi nas Caminhetas, in Opinião Pública de 23.JAN.2020)