Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

O Natal de Major Sal

João-Afonso Machado, 23.12.19

MGA.jpg

A maid, gordalhufa e já muito sexagenária, desajeitada na fardamenta que lhe fora imposta, entrou na sala sem pedir licença e declarou - A sopa está na mesa, Sr. Major!

Era demais, à vista descoberta aumentava o seu descontentamento. Ele, um distinto oficial do Regimento de Warwickshire, tratado dessa forma! Major! - M-E-I-D-J-A-R - soletrou rectificando, - Meidjar Sal, if you please, Mrs. Felismaina.

As vindas a Portugal tinham destas coisas. Mil vezes amaldiçoadas, mil vezes repetidas. O impoluto Sal ainda mantinha por cá alguma parentela, como ele descendente de um aristocrata britânico que se desentendera com a Câmara dos Lordes e mesmo com Jorge III, fascinado com as aventuras do Marquês de La Fayette e pelo heróico fim de Camille Desmoulins. Mas, pelo sim, pelo não, o dito antepassado de Major Sal optara pela Corte portuguesa, onde foi bem recebido. E daí as visitas a este nosso rincão, sempre através do Canal da Mancha, no ferry, trazendo consigo o seu insubstituivel MGA com as cores do grandioso Regimento em que servia. Porque, enfim, no Continente - Good Heavens! - ainda ninguém aprendera a construir automóveis.

E embora o seu silêncio, o seu ar inocente de coincidência, a época escolhida calhava sempre no Natal. Fugindo a uma Grã-Bretanha impenetrável de tão cinzenta, húmida e a cheirar a carneiro cozido, enquanto cá... ele são as rabanadas, os mexidos, ele é o nosso bacalhauzinho e a penca, a cebola... Já para não falar no nosso bolo-rei, the cake's imperator, conforme publicamente o Major Sal reconhece após a terceira dose de brandy. Ora, justamente, tinham-lhe afiançado este ano, a detestável Sra. Felismaina era exímia a preparar tais pitéus.

Bloody Hell, ao que um legítimo Sal se tem de sujeitar!