A quadra natalícia trouxe a Famalicão uma espécie de “praça da restauração” que assentou arraiais junto à Fundação Cupertino de Miranda. Cobre-a todo um manto de plástico porque, felizmente, ainda há invernos. E foi entre furgonetas e esplanadas e barraquinhas várias de bons comeres que redescobrimos a nossa Telma, emigrada do Café S. Paulo para este seu novo ofício.
Com muito de inédito, a sua banca: gin, aliás uma bebida que habitualmente não consumo. Mas este assinalava a excepção que trouxe logo o copinho experimental: o gin da Telma é de fabrico famalicense. É o Vermuiz Gin. Donde a enxurrada de perguntas que se seguiu.
Não será muito um tema de conversa nas caminhetas, mas o facto é que esta pinga nova adoptou o nome das velhas terras de Vermoim, do tempo em que havia lá um castelo a despertar a cobiça dos vikings. Veja-se quão antigas as águas em que navegamos! - as dos vikings, piratas desavergonhados que acossavam o litoral europeu e, pelo que se descobre, iam bastante mais longe, quase até Guimarães, na volúpia da riqueza dos autóctones. Mesmo sem saber se os meus antepassados suportaram quaisquer prejuízos com tais incursões, solidarizei-me com o conde Vermuiz Forjaz e, à sua saúde, emborquei o gin, desprovido de água tónica, uma bomba alcoólica mas com sabores exóticos, requintados, o resultado dos condimentos que são o seu segredo.
Ocorreu-me, até, a imagem dos velhos Ramires corsários, da Ilustre Casa queirosiana, à varanda dos palácios conquistados, em mangas de camisa, rindo e rilhando alvarmente talhadas de melancia. E comparei: os chefes vikings em Vermoim, no torreão do castelo, tragando goladas infindas de Vermuiz Gin pelos crânios dos vencidos (pobre conde!), a gargalhar com o saque, o incendiar do povoado pela sua tropa desabrida. O que não se sabe da História imagina-se, faz-se lenda, incute-se nas gentes. Porventura o britânico gin é oriundo de outras latitudes, a dos barbudos e impiedosos nórdicos…
Por isso, à laia de historiador made in Hermano Saraiva, instituo o gin um bebida das neves, desse frio assassino cuja única defesa é o álcool forte, que os bárbaros que foram os noruegueses trouxeram para Portugal, e agora a Telma propagandeia na vertente Vermuiz Gin.
Pobre Telma, graças a Deus longe dessas carnificinas… E voltando ao gin, insisto na sua qualidade. Quem lá for bebe-o nuns quase aquários, com gelo e umas especiarias pelo meio, excelentemente apresentado. Uma palavra também para o arrojado design das suas garrafas, como outro não vi. Quase frascos enormes de perfume francês, a querer esquecer os rudes pipos dos canibais vikings de outrora.
Provem, pois, o Vermuiz Gin. De tal forma repetidamente que nos proponhamos retaliar e invadir e alagar a Noruega em vinho verde. Isto conspirativamente já planeado da nossa parte, minha e dos meus confrades.
Ora, íamos nós nesses ousados planos de contra-invasão, quando nos apercebemos, ao lado da barraquinha da Telma demorava-se uma outra, a da D. Rosa Mendes. A especialidade – alheiras e mais enchidos e produtos de fumeiro. Num acesso de nacionalismo emocionado, chegou-nos à mesa uma tábua ajuntando uma quantidade vária desses milagrosos remédios para a alma (e para o corpo, por tabela). Lá estava a chouriça de sangue, o presunto, broa e queijo, a alheira e etc. Os amigos permaneceram no gin mas foi necessário peticionar dois copitos de tinto para mim, pequenos, nem eu mergulhara nos ditos aquários na expectativa de um certo néctar de Estremoz que antevira por ali, na tenda da D. Rosa Mendes.
Essa foi a festa. Saborosa. Bem conversada. Melhor explicada pela Telma. Do que resultou sabermos de onde vinha o liquido (vermuiz.com) e quem fabricava o sólido (ribeirorosa40§gmail.com).
Fim de tarde benquisto. Para se comer e beber com raça já não é preciso importar. A nação famalicense é auto-suficiente e sobra-lhe muito para carregar na balança comercial externa. Proclamemos, pois, a nossa azul e branca independência.
(Da rúbrica Ouvi nas caminhetas, in Opinião Pública de 27.DEZ.2019)