O guarda dos rios
Passaram uns tantos anos. O parque transformou-se quase só em duas voltas à pista, cinco quilómetros em marcha estugada de quem quer contrariar os males de não comer mal.
Sobretudo passou muita gente. Dessa que passa deixando memórias dolorosas em quantas gavetas se guardam no parque, horas e horas delas que, abrindo-se, logo desatam numa rópia violenta de invocações.
O presente tem desses momentos de difícil equilibrio onde as distâncias temporais se embrulham em vozes que já não chamam por nós.
Foi quase uma romagem, o regresso às margens do lago, depois o rio, os açudes, os vermelhos e os amarelos do folhedo ainda em serviço. À espera do milagre de uma garça.
Por então poisou em cima de um caniço um pica-peixe. Dizem-no também um guarda-rios. O mais colorido que a Vida poderia produzir naquelas bandas.
Assim poisou, assim mergulhou ante a visão de qualquer peixito. Depois alou-se.
A tarde foi o pensamento todo no guarda-rios. O qual desaparecia e reaparecia, querendo do cinzento do fim do dia outras cores, um retrato seu. Não talvez da sua elegância... mas, decerto, do azul celeste e do alaranjado que compõem o céu e o poente de todas as saudades sempre vivas.