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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

"Uma noite infeliz"

João-Afonso Machado, 14.11.19

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Àquela entrada de leão, digna da mais garbosa bravura minhota, parece ter sucedido algum amolecimento. Eu estava em Lisboa, a hora do jogo aproximava-se, a do jantar também, e o Benfica passara nos Açores por uma unha negra. A questão principal residia em descobrir um restaurante cuja televisão trocasse a porcaria do Barcelona pelo glorioso Famalicão.

Carnide é um bairro curiosíssimo. Faz lembrar a Vila do Prado (o Cávado à parte), nas suas ruas muito estreitas, no seu larguinho com o cemitério ao fundo. É, na Capital, uma migalha toda açucarada em casas antigas, de bela traça, quedas e fugindo das luzes da ribalta, algumas mesmo votadas ao abandono, resquícios dos palácios de outrora. Há lá um alfaiate, dos de antigamente, a montra da alfaiataria muito bem emoldurada no ouro da sua persistência. E há restaurantes – dúzias de restaurantes. Nada mais há em Carnide, além dos seus moradores.

Os fins-de-semana enchem-na, por norma, de gente em busca de um jantar honesto, pacato, de boa comida distante dos cozinhados de plástico. Os santuários gastronómicos, alguns seculares, vão vingando por via de uma clientela fixada. A essa hora, entre reservas e os mais esfomeados, já não se dispunha de espaço livre. Eis-me então a descobrir a virgindade – salvo seja! - de uma sala ampla, com dois rapazitos ao balcão na ânsia de uma primeira vez, uma primeira mesa de fregueses. Cá pensei – aqui, sim, conseguiria assistir ao Famalicão-Moreirense.

Eles tinham iniciado o negócio de muito fresca data. Os fieis de Carnide demandavam os seus poisos habituais. Ainda com o ninho assim por cimentar, o jeito estava em fazer a vénia ao comensal, aplacar-lhe as preocupações.

Por acaso, um dos rapazes até apostara no Placard (ainda não percebi o que isso é) a vitória do Famalicão. De modo que quando a barriguinha estufada de porco preto veio para a mesa, soava no ecran o apito do início do jogo.

E tudo correu lindamente nos primeiros 45 minutos do prélio. A vantagem era tal que mais um nada e hasteava-se no restaurante a bandeira azul-branca. Com o moço, merecidamente, a ganhar o seu Placard.

Bonitos golos – o segundo, soberbo – domínio do jogo, a uns parcos quatro pontos do dianteiro Benfica. Mais uma eventual surpresa positiva a proporcionar pelo Boavista o dia seguinte… A barriguinha viera excelentemente cozinhada e o vinho da casa parecia assaz bebível.

Mas a segunda parte revelou-se um desastre total. Um massacre. Paulatinamente, ao longo de toda ela, os Cónegos encheram o claustro sem margem de manobra para os famalicenses. A gente do restaurante já só me olhava compadecidamente. Uma rodela de abacaxi travou-me o enjoo, ajudou à oração – que o jogo acabasse de vez, antes de sobrevir o cataclismo.

(Ainda por cima, jogando só dez: Perez, o famoso argentino chamado à sua selecção, a dar porrada na clerezia de aqui ao lado, um despropósito completo…)

Regressei tristíssimo, sentido embora a solidariedade dos rapazes do restaurante, um deles a mancar também do seu Placard. Despedimo-nos. Enfim, numa próxima correria melhor…

E logo na manhã após, ouvi nas caminhetas vozes de desalento. Afinal, Andersen, o melhor marcador, falta-lhe algum parafuso no fémur? Porque não joga o tempo todo? Porque não faz o gosto ao pé? E Fábio Martins, tão desgarrado na extrema esquerda? E Ruben Lameiras, que ninguém lhe põe os olhos em cima?!

O desânimo e a incompreensão eram gerais. Será que os famalicenses se precipitaram na encomenda das faixas de campeão? Depois dos resultados em Guimarães, Alvalade e Braga… - o que virá a seguir? As caminhetas povoam-se dos piores augúrios.

 

(Da rúbrica Ouvi nas caminhetas in Opinião Pública de 14.NOV.2019)