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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Moscavide, enfim

João-Afonso Machado, 11.11.19

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Tubarão, nos teus escritos ouvi Moscavide a gritar entre a multidão que envolve Lisboa. Na realidade, escutei o nada feito homem que desce à rua de cigarro aceso (estreitas escadas, portaria tacanha, nunca mais arranjam a merda da campaínha do terceiro direito...). Topei também a tua total descrença em mais além do momento presente. Ou se quiseres, Tubarão, uma certa forma de encarar a Morte, o fim dos teus dias na cervejaria, a curta memória com que te presenteiem os teus parceiros das imperiais e dos tremoços. Moscavide será isso, o tempo solitário, a família sem membros, um fugaz caixão rumo ao esquecimento.

Por tudo fui tomar o pulso a Moscavide. Conhecer-te, encontrar-te, garantir-te há um mundo menor, de tão maior por todos serem e continuarem a ser. Mas jamais, Tubarão, quis ir a Moscavide para te catequizar. A apologética é o meu oposto.

Era só rever-te nas ruas, ouvir o comboio, aspirar firme o cheiro urbano em que nasceste. Pejado de horários que galhardamente não cumpres. As ruecas estreitas, a roupa a secar nas sacadas, qualquer lojinha por baixo da tua residência - um quarto?, uma pensão?, um estúdio de renda compadecida? E o teu andar de quem faz pouco, o menos possível, os teus artifícios de sobrevivência. A tua fé em mulheres passageiras, o discurso político construído sobre lugares-comuns.

No fundo, Tubarão, - tu és o Tubarão porque tão voraz como o maior cardume de taínhas. E voraz porquê? Porque sim, ictio est ex tunc, sem perguntas nem problemas existências. Ora do lado de cá, ora do lado de lá da Linha do Norte...

Tudo isso se chamará Moscavide.

E foi uma outra volta na terreóla, o cheiro das churrasqueiras, os negócios de esquina - floristas, calistas, cartomantes... - o teu aceno de cabeça aos conhecidos, em cada início do dia no começo da tarde.

Já o cigarro te fumou todo e não vives?

Oxalá assim não seja e os teus vícios te mantenham os dias, sempre iguais na pretensa diferença de um pensar político mais batido do que as chapas da oficina além. Atazanado pelo apito infrene e constante do comboio.

És um subúrbio, Tubarão. Uma máquina. Esse o teu berço e destino - um subúrbio capaz de me despertar a maior curiosidade por tal realidade para mim desconhecida. Creio, apenas, - onde o futuro não entra nas contas. És uma máquina corajosa, portanto. Orgulhoso de ti mesmo, afinal com identidade, incapaz do contrário, um enigma sem eternidade.

Por tanto que me ensinas e levas a procurar - obrigado Tubarão.