Mourão
Entalaram-na entre a fronteira e um braço do lago enorme do Alqueva. E ali ficou, espreitando Espanha, vendo o mundo dar voltas. Parece que o turismo não pega naquelas bandas. E perceber porquê?
Já de muito longe as vistas são apelativas. A Mourão vai-se sem guião. Sem referências históricas, alheios a conquistas e moiramas, os neurónios cavalgando somente a bizarria dessa vila perdida no Tempo. No topo, o castelo, vidas feitas de silêncio por ele abaixo, um silêncio, pensando bem, a que o turismo mataria as cores, os caminhos que senti só meus.
Ruazinhas em cujas placas não pus os olhos. Formas alentejanas do mais puro sangue, o jardim na praça principal, sobejamente florido, os anciãos sentados em bancos corridos, esse fim de uma tarde de calor infernal, bebendo finalmente uma pouca de aragem, e as andorinhas com eles, os velhos.
Como assim se manteria, se ocorressem novas invasões e as tabernas passassem a vender produtos gourmet e souvenirs? Condenada vila que já perdeu o tribunal e luta agora para que não lhe levem os Correios!
O sol não demoraria a sumir. O cegonho da mais recente postura acordou, espreguiçou-se, chamou a mãe que pasmava hirta no ninho... em um dos muitos telhados sob os quais as vielas deambulam. Haverá gatos em Mourão? Tratar-se-à de uma raça ancestral treinada, indiferente às aves?
Ali optámos por jantar - bochecha de porco, esplêndida, - dali saímos, noite cerrada. Ninguém cá fora já. Mourão vive o desânimo dos seus, vai ao outro lado da fronteira em busca de auxílio. Necessita trabalhar para comer. Mas, restaurantes à parte, como manter a sua identidade consentindo chegue a horda turistica? O que será Mourão devassada pelos autocarros, as excursões? E não, aquilo não é clima que os saxónicos tolerem, seria sempre a morte anunciada dos nababos nórdicos, pobrezinhos. Em tais amplitudes térmicas, só portugueses de boa fibra.
Esses que se deviam unir e salvar Mourão. Nós, os de palavras amenas e olhares sobre a Natureza. Os de profissão contemplativa, os amantes da caça e da pesca furtivas, em terras e águas fecundas da República ao lado do nóvel reino acastelado de Mourão.