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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

"João de Lemos, poeta legitimista irredutível"

João-Afonso Machado, 03.05.19

JOÃO DE LEMOS.jpg

Natural da Régua – onde ainda hoje é considerado uma figura literária de destaque – João de Lemos Seixas de Castelo Branco, viu a luz do mundo em 6 de Maio de 1819. Um ano antes, pois, da revolução vintista e, decerto, um início de vida pautado por toda a turbulência política que atingiu o Reino dessa época. Não obstante, João de Lemos rumaria Coimbra, onde se licenciou em Direito.

Não terá combatido na Guerra Civil – era muito novo ainda. Mas viveu intensamente o movimento do ultra-romantismo e, porventura assim, abraçou a causa legitimista para todo o seu sempre. É neste contexto que vem a desempenhar diversas missões diplomáticas ao serviço do Senhor D. Miguel, já expatriado, e a dirigir, a partir de 1848, o jornal tradicionalista A Nação. Foi, entretanto, colaborando em diversos periódicos e revistas, onde deixava quer as suas impressões políticas, quer também os seus poemas.

Tudo somado valeu-lhe o exílio em Londres… A sua obra literária (a que há a acrescentar o teatro) consta de diversas publicações em que se destaca o Cancioneiro, em três volumes (I – Flores e Amores; II – Religião e Pátria; e III – Impressões e Recordações), talvez a súmula de vida do ilustre poeta reguense.

Mas o seu saudosismo e o seu lirismo ficaram imortalizados no poema A Lua de Londres, escrito precisamente nessa cidade da sua proscrição, onde o grande astro raramente se vê no céu. Ei-lo, o poema:

É  noite. O astro saudoso

rompe a custo um plúmbeo céu,

tolda-lhe o rosto formoso

alvacento, húmido véu,

traz perdida a cor da prata,

nas águas não se retrata,

não beija a flor no campo a flor,

não traz cortejo de estrelas,

não fala de amor às belas,

não fala aos homens de amor.

 

Meiga Lua! Os teus segredos

Onde os deixaste ficar?

Deixaste-os no arvoredo

das praias de além do mar?

Foi na terra tua amada,

nessa terra tão banhada

por teu límpido clarão?

Foi nas terras dos verdores,

na pátria dos meus amores,

pátria do meu coração!

 

Oh! que foi…. Deixaste o brilho

nos montes de Portugal,

lá onde nasce o tomilho,

onde há fontes de cristal;

lá onde viceja a rosa,

onde a leve mariposa

se espaneja à luz do Sol;

lá onde Deus concedera

que em noite de Primavera

se escutasse o rouxinol.

 

Tu vens, ó Lua, tu deixas

talvez  há pouco o país

onde do bosque as madeixas

já têm um flóreo matiz;

armaste no ar a doçura,

do azul a formusura,

das águas o suspirar.

Como hei-de agora entre gelos

Dardejar teus raios belos,

fumo e névoa aqui amar?

 

Quem viu as margens do Lima,

do Mondego os salgueirais;

quem andou por Tejo acima,

por cima dos seus cristais;

quem foi ao pátrio Douro

sobre fina areia de ouro

raios de prata esparzir

não pode amar outra terra

nem sob o céu de Inglaterra

doces sorrisos sorrir.

 

Das cidades a princesa

tens aqui; mas Deus igual

não quis essa lindeza

do teu e meu Portugal.

Aqui, a indústria e as artes;

além, de todas as partes,

a natureza sem véu;

aqui, ouro e pedrarias,

ruas mil, mil arcantes;

além a terra e o céu!

 

Vastas terras de tijolo,

estátuas, praças sem fim

retalham, cobrem o solo,

mas não me encantam a mim.

Na minha pátria, uma aldeia,

por noites de lua cheia,

é tão bela e tão feliz!...

Amo as casinhas da serra

coa luz da minha terra

nas terras do meu país.

 

Eu e tu, casta deidade,

padecemos igual dor;

temos a mesma saudade,

sentimos o mesmo amor.

Em Portugal, o teu rosto

de riso e luz é composto;

aqui, triste e sem clarão.

Eu, lá, sinto-me contente;

aqui, lembrança pungente

faz-me negro o coração.

 

Eia, pois, ó astro amigo,

 Voltemos aos puros céus.

Leva-me, ó Lua, contigo,

preso num raio dos teus.

Voltemos ambos, voltemos,

que nem eu nem tu podemos

aqui ser quais Deus nos fez;

terás brilho, eu terei vida,

eu já livre, tu despida

das nuvens do céu inglês.

Além do inconformismo e da saudade, uma ponta realista das diferenças meteorológicas (chamemos-lhes assim), dos modos do quotidiano. É sempre difícil um português aclimatar-se na Grã-Bretanha. João de Lemos ansiava pelo regresso ao seu berço. E logrou esse intento em 1846, por altura da Patuleia. Provavelmente vinha disposto a combater. Entrou na barra do Douro num navio inglês, disfarçado de marinheiro. Com ele vinha João Machado Pinheiro, depois o 1º Visconde de Pindela. Através dos relatos deste último, ficamos a saber, o desembarque foi complicado, ambos exilados, figuras malgradadas no regime vigente. (Tolhe-os o Serra do Pilar, da Armada Real.) Mas conseguiram-no, embora em vésperas da Convenção de Gramido. Acorrem juntos, contra Costa Cabral, à Junta do Governo Supremo do Reino, já em vão. Depois, João Machado escreveria o seu A Lua de Londres, não diria um plágio, mas uma inspiração imediata na genialidade do seu Amigo. Plausivelmente, no exílio, outra vez…

Com a Regeneração foi o reencontro de cada um consigo mesmo. A pacificação. João de Lemos tornou definitivamente a Portugal, onde morreria na Figueira da Foz, a 16 de Janeiro de 1890.

 

(In Real Gazeta do Alto Minho, nº 18)