Um tolo no meio das poldras?
Era noite muito escura, e horrivel o drama de Josefa, mãe escondida até à última hora. Filha de pais matadores pela honra... No momento do parto, a decisão foi de desespero. Fugiu, segundo vago aconselho, pelo trilho que seguiria «passadas as poldras do Tâmega». Não parou, a ameaça dos pais no encalço. «Atormentavam-na dores outra vez, e sentia-se torvada, desfalecida e sem forças para transpor as poldras que não estavam perto». Mas, ao avistá-las, «teve vertigens e disse entre si "vou morrer" (...) Quis sentar-se em uma das poldras; e, na precipitação com que o fez para não cair, escorregou ao rio».
Encontraram-na horas depois. Morreria por efeito. É a indesmentivel narração de Camilo, em Maria Moisés das Novelas do Minho. Sempre a fantasmagoria da noite e dos ventos uivando como lobos, mai-las almas penadas do capitão-mor e de um ou outro demoníaco jacobino, desses que não perseguiam os franceses..
Não sei exactamente o que o Tâmega, e terras confinantes, guardam destes lances (por vezes com finais inviamente felizes). Mas as poldras continuam lá. Se alguém morre na travessia, as responsabilidades não caberão à Autarquia, que deixou cartazes volumosos a alertar os perigos. O rio é como é, entre as cheias e os dias apaziguados, e as pontes são agora para todos os gostos. É no meio delas que os tolos se sentem bem, como imaginá-los no meio das poldras?
Pobre Josefa que, saltitando a fugir, nunca planeou morrer, pereceu de um deslize no molhado das pedras e a foram dar como certa no Inferno, depois do seu imaginário suicídio...
Os séculos não pararam, os momentos ribeirinhos tornaram-se menos agitados e as crianças ágeis e brincalhonas. Camilo, agora, teria de buscar temas diversos, conquanto o adultério esteja novamente muito na moda, e os seus olhos decerto se arregalassem, na tentativa, às vezes, de distinguir um macho de uma fémea.