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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Um minhoto na Capital

João-Afonso Machado, 19.01.19

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Tantos - mas tantos! - anos depois, de novo em Lisboa! Em outra investigação, versando Costa e a sua gula do Poder. Um trabalho encomendado, com alguma pesquisa em arquivos nacionais. No decurso do qual conheci um simpático historiador a convidar-me para um jantar, o do seu aniversário.

Compareci. Com um fato emprestado pelo meu primo mais velho e uma gravata quase a enforcar-me num nó de sapiência. A pagar o preço do casual, termo, para mim, de agora, que significa ganga e sapatilhas («ténis», dizem eles). O restaurante, de resto, não estava por nossa conta...

Tudo isto era nada, não fosse o caso de ela estar lá. Sempre a mesma! Loira, as pulseiras a chocalhar no pulso, lindíssima. Envolveu-me num Olá! enorme, saudoso, verídico. E ficámos sentados lado a lado.

O pior foi o outro lado. O oposto. Deu na cadeira um cavalheiro enorme que logo se apresentou como empresário. E antes de qualquer "boa noite" de resposta, avançou números - acabara de investir quatro milhões no Ribatejo. Quantia, aliás, insuficiente, amanhã mesmo insuflaria no empreendimento mais quatro milhões... O Estado estava com ele!

Eu não sei, continuo sem saber, o que são quatro milhões, ainda por cima acrescido de outros tantos. E vi-me sozinho - eu e a minha ignorância - naquela mastigação de notas. Limitei-me a ouvir respeitosamente.

O quê? Não me perguntem. Era o confronto entre os papeis velhos e o papel novo, circulante no mercado. Mais uma vaga noção de que o senhor, contrariado, desafiara para a porrada toda a assembleia municipal de uma Câmara qualquer. Á cause...

Eis senão quando sinto - oh! santa primeira vez! - a sua mão, erguendo-se no peso das pulseiras, massajando a minha. Foi, para mim, a profissão de fé no capitalismo. Valera a pena! E num asssomo de coragem, voltei a cara, mandei os milhões (que não eram meus) à merda e falámos - eu e ela - de poesia.

Um pormenor importante: antes de entrar a fundo em Mário de Sá-Carneiro, já não sei porquê, talvez pela minha eterna mania da caça, apontei aos patos-bravos. Inocentemente..

O certo é que o meu flanco direito baqueou. Foi fumar um cigarro e o tabaco, conclui, é coisa sagrada. As nossas mãos ficaram uma com a outra, os milhões encolheram, sumiram, e amanhã será o primeiro dia do resto da minha vida.

(Disse ela, ao ouvir-me suspirar de alívio: - Então não conhece o género?...)