À mesa, o bacalhau de muito longe
Bacalhau por unanimidade. Frente a frente, os guardanapos desdobrados e as primeiras palavras como o mais banal pão com manteiga. De súbito, a lembrança de uma garrafa de vinho, que o coração já dava sinais de sede. Os comensais eram dois, o mundo uma bola de estilhaços, talvez perceptíveis alguns. O empregado ia e vinha, a conversa importante mantinha-se calada.
Foi depois a agradável sensação de que o bacalhau não tinha espinhas. Verdade ou ilusão? Sem espinhas, sem qualquer coroa delas, era um instante feliz, um gole de vinho a empurrar, e a cabeça liberta crendo - ou querendo crer - estavam ali, afinal, dois corações que se entendiam.
A sobremesa nada aditou aos muitos sonhos sonhados à mesa, por vezes indiscretamente. Como não apostar o amontoado dos dias todos num jantar só?
Esses os propósitos na viagem de regresso. Exclamações de entusiasmo lado a lado com o comedimento de alguns sins. O bacalhau nadava ainda as águas da memória, continuou a nadá-las noite fora, e decerto tal é o seu longínquo desempenho no tempo, no oceano das vontades, ninguém sabe até quando.