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MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

MACHADO, JA

A minha escrita, a minha fotografia, o meu mundo

Mr. John Kemp

João-Afonso Machado, 14.12.18

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Mr. John Kemp (o quarto do nome) é, por todo o condado, um reputado funeral director. Veste-se invariavelmente de negro ou, em dias mais primaveris, de um cinzento escuro quase igual ao dos humanos em geral. Sob a cor das suas gravatas nada haverá a acrescentar, bem como sobre o cabelinho fino, agrisalhado, com uma risca que é um linha recta cercada de um qualquer unguento, capaz de resistir à maior tempestade. A vénia é um vício seu, o esfregar as mãos, curvado e atencioso, um outro, a que sabe juntar três lágrimas vertidas na ocasião exacta das condolências. Depois sobrepõem-se as questões práticas, as costas sempre curvadas, as mãozinhas numa efeverscência. O plano impõe-se-lhe surja a gosto pleno do cliente. E Mr. John Kemp é regularmente avisado de que o cliente manifestara em vida o desejo de fazer a sua última viagem na carreta. Na sua antiga carreta puxada por dois muares negros.

O funeral é, então, algo digno de ser visto. As bestas cobertas por mantas amplas, roxas como a Quaresma toda, com incrustações prateadas. Exactamente iguais às da época de Mr. John Kemp, o primeiro do nome. O cocheiro trajando a rigor, de cartola e chicote em riste, solene que nem um general. São momentos em que, naquela litlle touwn, não há lojista, reformado ou simples transeunte não pare e observe, estupefacto, semelhante aparato. 

Enfim, um cangalheiro conforme manda o preceito. Sempre invocando os serviços funebres por si organizados, os de gente célebre, isto conversa com vivos que, arrepiados, sempre lhe impõem - Stop, Mr. Kemp, my turn it´s not come yet.

Assim Mr. John Kemp (o quarto do nome), cangalheiro por sucessão e tradição, foi dando conta de que, na rua, no futebol, no pub, a sua presença produzia a impressão de um abutre recém chegado, uma companhia indesejável, negativamente premonitória. (Brrr....)

Urgia dar aos seu conterrâneos uma lição de vida. O quarto Mr. John Kemp é um homem de recursos imaginativos, já se disse. E o gato negro que acaricia ao colo todas as noites, antes de dormir, esse gato que encontrara um dia, bebé, a morrer de fraqueza, forneceu-lhe a ideia genial - uma campanha pela adopção de animais abandonados.

Mr. John Kemp, deixou as mãos em paz, uma com a outra, e foi-se à montra da sua agência, que varreu de tudo quanto lá assombrava os passantes: cruzes, epitáfios, vasinhos de flores. molduras prós defuntos. Atirou essa trastalhada ao chão (ante o desespero da funcionária, que o julgou possuído pelo demo) e encheu a montra com um cartaz enorme, repleto de fotografias de gatos e cães - e mesmo um periquito - ansiosos por uma companhia amiga que o Pai Natal lhes traga nesta quadra.

Aquela gente gosta de animais e, um belo galgo, não há quem não sonhe levado à trela, mesmo deitado à lareira do bar de todos os dias. Mr. John Kemp, o quarto, é o actual maior receptor de palmadinhas nas costas. É certo, tudo isto é recente, ainda ninguém morreu entretanto, mas os animais rejeitados por ele descobertos, são alvo da cobiça de todas as almas da litlle touwn.

E Mr. John Kemp quer-se agora somente o dear John, fellows, esqueceu a sua fatiota de sempre e já usa blusão de cor garrida. À noire, no pub, consta até, abusa um bocadinho no emborcar dos pints.