"Um nadinha de política"
A assembleia reúne com regularidade e expressividade de pontos de vista. A lembrar os antigos tempos em que os monárquicos famalicenses se encontravam na confeitaria do Sr. Álvaro Bezerra (um dos nossos mais destacados caciques, o então chefe local dos fieis d’ El-Rei) e os republicanos em lugares diversos e grupos vários, sempre às turras uns com os outros. Hoje, reconheço, estamos em minoria – mas uma minoria que se vai esbatendo, esbatendo… Enfim, no sebastiânico dia da Restauração, previsto para muito em breve, a assembleia recebê-la-á, in totu, estou certo no mais incendiado entusiasmo.
No resto, há até um grande contingente de opiniões em comum. Ainda a semana passada, por exemplo, veio à baila o sinistro Beria, dito o “carrasco de Estaline” – o homem que instigou e deu andamento a milhares e milhares de condenações à morte. Gente sumariamente julgada, sem direito a defesa nem a recurso! Somente por terem caído no desagrado desse sanguinário bigodaças, com Beria a encher-lhe os ouvidos de intriga. Pois também ele (com o seu quê de fisicamente semelhante a Himmler, aliás) terminaria os seus dias em frente de um pelotão de fuzilamento, por ordem de Krushchov. Na União Soviética era assim… E nessa hora extrema, lê-se num livro recente de José Milhazes, Beria, aterrorizado, - o Beria que a mesma sorte ditara a tantos – suplicava misericórdia e fez cocó nas calças.
Evidentemente, a assembleia por unanimidade, solene como um júri, julgou Beria e Estaline uns assassinos carniceiros, um autêntico atropelo à Humanidade. Isto tudo enquanto procedia ao massacre de um naco de carne assada, já fora do concelho, em mais uma peregrinação gastronómica e cultural. Mas de quem falo eu?, perguntará o leitor. Pois não posso dizer, muito embora aqui fique a minha jura de que ninguém usa avental com o compasso e o esquadro da Maçonaria.
Não, a sua identidade é para permanecer oculta. Tal a elevação dos princípios iniciáticos por que se rege. No outro dia, um dos membros referiu-se aos demais chamando-lhes “tertulianos”. Discordei. Tertuliano era um imperador romano, um déspota cesarista, um digno filho da República. Antes os confrades se denominassem “tertulistas”, lembrando, até, os tempos idos de um belo totobola em cheio (gente proba basta-se com totobolas, o euromilhões é um excesso desnecessário), daqueles bem antigos, com quadrículas para o 1-x-2 e jogos da I Divisão e da II Divisão (Zonas Norte e Sul), que esperançosamente registávamos todas as semanas na Casa Voga, ansiando sermos “totalistas”.
Então o futebol era a política mais consentidamente conversada. A política do “chuta para a frente e marca”. Hoje fala-se de muito mais, sobretudo da estreita ligação entre o futebol e o crime, da sua irresistível propensão para o escândalo. A assembleia debate muito o tema, sobretudo riscando a duas cores – a verde e a vermelha – incompatibilidades ferozes.
Mas quando estas notas vierem a público, estarei um pouco longe, geograficamente falando. À margem, portanto, desses circunlóquios. A festividade da Imaculada Conceição terá também ficado para trás. Beria e Estaline esquecidos no caixote do lixo da História. Sua Majestade, com o Natal à porta, já principiará a distribuir pelo povo português o seu bolo, o melhor do mundo. Sob o manto sereno da nossa bandeira azul e branca. Parece que vejo daqui o filme – os tertulistas verdes e vermelhos esgrimindo diatribes e o Sérgio (de N. S. da) Conceição muito na dianteira com as suas tropas, a gloriosa bandeira azul e branca sempre erguida. Somos menos, mas somos muito melhores! Viva Sua Magestade!
(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 13.DEZ.2018)