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Entretanto, espero eu, os famalicenses passaram um Natal felicíssimo e preparam-se afanosamente para entrar na maior folia em 2019. Um ano, para todos, cheio de coisas boas, as do costume – saúde, prosperidade e, talvez não menos, a Paz. Esse precioso ingrediente das noites bem dormidas.
Tudo isto não é mais de o mínimo possível que alguém pode desejar a outrem. A crónica findaria aqui, pois, se não houvesse novidades. Desta feita, oriundas de Inglaterra.
Estive lá uma semana inglesa: no sábado tudo era pretérito. Estive em Canterbury, para os mais distraídos a sede da Igreja Anglicana, a célebre Cantuária do Arcebispo. Uma pequena cidade não longe de Londres, em que um meu filho estuda na Universidade. Foi por isso – fui lá visitá-lo.
Assim dei conta do seu modus vivendi. Numa enorme mansão de três andares (com alguns quinze hóspedes), dessas absolutamente britânicas, atijoladas, com um jardim agora parque automóvel. O funcionamento é simples, se os utentes não complicarem – há uma lavandaria, duas cozinhas, os sanitários bastantes. E quem lá vive?
Muitos estudantes. Alguns trabalhadores ou gente sem família, vidas errantes. E migrantes – lembro uma russa que não dizia uma palavra em inglês…
Cada um se encarrega das respectivas provisões alimentícias, guardadas, por norma, nos frigoríficos comuns. Do mesmo modo com as roupas, lavadas e passadas a ferro no compartimento preparado para esse efeito. Cada um, enfim, cozinha o seu almoço ou o seu jantar.
Os quartos têm apenas um lavatório. Além da cama, de uma secretária, o armário e a prateleira. Uma regra essencial – o silêncio, para não incomodar os vizinhos. Quanto ao lixo, o seu despejo fica a cargo de cada um que o produz.
É como vive gente tão díspar, sendo frequentes as amizades que se vão criando. Nesse casarão já afastado do centro de Canterbury, um entre tantos rodeados de frondosos jardins.
E nem tudo são flores. O bretão da era de Stonehenge também lá está. Hirsuto, chineleiro, grossas meias de felpo e o inefável fato de treino, já muito seboso; não correspondendo às saudações que lhe são dirigidas, mastigando alvarmente sentado na quina de uma mesa da cozinha; a grunhir, a grunhir, a grunhir, sempre a despentear-se mais do que já está… mas acabando a lavar a loiça que utilizou. Assim a vida prossegue, sempre para diante.
Partilhei-a toda a minha estadia. Observei. Não tardou estava no meu espírito o nosso Hotel Garantia. Conheço-o interiormente, sei quão iguais são os seus quartos aos da moradia que acolhe o meu filho em Canterbury. Acrescente-se-lhes a enorme cozinha, o espaço, nos pisos inferiores, um autêntico batatal… O café de tanta saudade, ressuscitado, esse que foi o mais bonito café famalicense – um potencial bar ou restaurante (uma cantina?), um qualquer lugar de lazer.
Não sou conhecedor da situação do Hotel Garantia. Nem sequer de a quem pertence. Mas sei que, naquele estado, com aquela localização, não dignifica a cidade e, em particular, deslustra o seu centro.
Isto tudo quando se multiplicam as queixas de falta de pequenos apartamentos para arrendar. E os locais de trabalho são cada vez mais voláteis. E as pessoas circulam de terra em terra, hoje aqui, amanhã ali, - ou em Famalicão, com custos elevados e tendo por vizinho este soturno fantasma, eternamente inconformado com a injustiça nele perpetrada.
(Da rúbrica De Torna Viagem, in Cidade Hoje de 27.DEZ.2018)